É o nome que damos para esse vazio perfumado que fica quando alguém querido morre. Há um buraco que se abre bem no meio da nossa vida. No começo é quase como um desmoronamento. Há escombros demais, sentimentos confusos, lembranças que se desorganizam feito pássaros quando se debatem dentro de casa em busca da janela para sair. Há muita dor, alguma raiva e a sensação de se estar vivendo algo surreal. Depois nos resta o encontro com esse vazio. As roupas ainda com o cheiro da pessoa amada. Pôr as roupas para lavar vira um dilema. Como correr o risco de perder de vez o cheiro bom que a pessoa tinha? Quem não vive isso, não entende. É como se habitássemos um mundo paralelo. A perda nos rouba tudo. De repente nos deparamos sem mais nada do outro. É como se nossos braços fossem cortados, pois por mais que se estique as mãos em busca de quem se foi, não conseguimos mais alcançar. Ficamos imobilizados, por muito tempo, muito tempo mesmo.
Depois do depois as coisas vão se acalmando. Lentamente, o dia volta a se movimentar. Às vezes ainda dá a impressão de que se anda sobre um solo pegajoso. Algo nos segura, a passada demora, mas voltamos a andar. Às vezes, no meio do dia, qualquer coisa acontece, pode ser algo muito insignificante, como um besouro que se debate contra o vidro da janela ou um pedaço de jogo lotérico perdido no chão e lá volta tudo outra vez. A diferença é que agora as lembranças começam a ser lembranças. Um álbum completamente novo se cria dentro de nós. As fotografias imaginárias são de outra ordem, ganham outros contornos. Há imagens do sorriso de um dia perdido no tempo. Há um recorte de uma fala de quando nos abraçávamos. Há registro de um cheiro da comida feita. Há memórias do passado que se colam com memórias de um pouco antes da partida e é desse processo interno que vamos criando uma ponte para atravessarmos o vazio que se abriu em quem ficou.
Ainda dói e, provavelmente, irá doer muito e muito ainda. Lembro sempre de uma fala da minha melhor amiga, irmã, comadre Vania Marta me dizendo: “depois de muitos anos da partida, de dias muito cheios de trabalho e vida, de sonhos se realizando, de alegrias acontecendo, você vai tomar banho e de repente, ali debaixo do chuveiro, você lembra da pessoa querida que partiu e não viu nada disso acontecer, e uma dor imensa te toma o corpo, e você vai chorar de novo. E talvez, doa para sempre”.
Sim, é bem assim. Mas algo lindo e lento como a natureza e sua perfeita capacidade de resignação acontece conosco. O vazio se perfuma. É saudade o nome disso. E a saudade é esse vazio perfumado que nos une, mesmo sabendo que já não estamos mais juntos.