O tempo é uma coisa estranha. De repente a gente se encontra, outra vez, em plena terça-feira. E depois já é terça-feira e novamente é terça. Como se os dias tivessem menos minutos. Dias enxutos. E a sensação de que faltam horas para dar conta de tudo que temos para fazer durante o dia. Só temos uma outra percepção do tempo quando algo nos atravessa de modo quase fatal. Uma doença, a perda de uma pessoa querida, a mudança para um novo lugar em que não conhecemos ninguém. São situações que nos jogam para dentro de nós mesmos. E dentro de nós, o tempo é outro. Um tempo mais espesso.
Mario Quintana, poeta gaúcho, escreveu certa vez,
“a vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira.
Quando se vê, já é Natal.
Quando se vê, já terminou o ano.
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida”.
Leio Quintana e penso como nossa vida é miúda, curtinha. Começou e quando nos damos conta, estamos no fim. Lidar com a finitude é uma das nossas maiores dificuldades. Primeiro porque temos medo de tocar nestes assuntos, segundo, que mesmo enfrentando o medo, não sabemos como fazer. Faz dois meses que meu pai morreu. Nossa última conversa, ele deitado num leito de UTI, consciente, não era sobre seu medo de morrer, mas como nós ficaríamos sem ele. Foi a conversa mais difícil que tive na vida até aqui. Falamos sobre seu cansaço diante da doença, sua batalha corporal diante de tanta medicação e intervenções médicas, falamos sobre ele ir embora e poder ir, se esse era o desejo dele. Ele me olhava bem dentro dos olhos e guardo comigo o castanho de seu adeus. Meu pai passou uma vida lutando contra a morte. Dizia, que sempre voltava porque tinha uma filha para cuidar. Cresci ouvindo ele me contar isso. De repente estávamos nós dois diante da morte. E eu relembrei dessa história. Enchi seu rosto de beijos, agradeci por ele ter voltado e disse que se ele quisesse agora ir embora, eu iria entender, porque havia crescido e poderia me cuidar sozinha. Ele sorriu. E deixamos transbordar nossas águas internas com a certeza de que a travessia já havia se iniciado.
A vida assim como a morte tem uma potência que jamais conseguiremos vencer. Ambas se apresentam em sua plenitude e a nós só resta obedecer. Então, quando tudo dói demais, respiro. Respiro profundamente. Mais de uma vez. Até que os pulmões possam sorrir outra vez. Perceber que se está vivo e respirando é um milagre. É um modo de reconexão com o que há de vivo em nós. É também um modo de suportar a ausência, pois a cada expiração, uma fração de pausa nos coloca diante do que um dia será o ponto final. Mas é entender também que falar da perda é falar de vida. É perceber que sempre é possível recomeçar, mesmo que seja para ressignificar o que não fizemos, ou fizemos de errado e finalmente, fazer as pazes com a vida que temos.