Apesar de todas as palavras carregarem por dentro uma boniteza que é somente delas, não é fácil topar-se com uma de primeira. Antes de cada frase aqui escrita procuro a beleza da palavra. Uma palavra que cante, sussurre, brilhe, me aperte, me queira, tanto quanto eu a ela. Uma palavra que me diga é isso, vá por aí, sinta o que eu sinto. Ou que simplesmente me deixe sem fôlego, parada como que diante de algo que vejo pela primeira vez e, talvez por isso, sem palavras. Parada, embora prefira, solta. Gosto de palavras que se soltam assim como fazemos com as pipas. Que riscam o céu, colorindo o dia. Que descolem tal qual um papel de bala que precisa ser lambida por pura devoção à brevidade do doce. Me apetecem as que salivam, que dão ânsia de tê-las, engoli-las. Melhor, sorvê-las. Palavras bebidas como um bom vinho e de preferência em boa companhia para que se possa depois, misturá-las.
Por outro lado, bem sei que as palavras jamais devem ser aprisionadas. Palavras presas viram tumor, doença. Não dá para viver com palavras atravessadas na garganta. Em algum momento é preciso que se possa tirá-las de dentro de si. Às vezes jogamos palavras na lata do lixo, noutras as atiramos como se fossem pedras em direção à vidraça alheia. Só sei que as palavras foram feitas para sair de dentro de nós como se pudéssemos parir pássaros. Colocamos elas no mundo e deixamos com que sigam seu curso. Algumas serão perdidas, é fato. Quantas e quantas coisas ditas, juras, promessas, foram em vão e agora, esquecidas. Outras serão vencidas pelo tempo que come a nossa memória ou por alguma doença em idade avançada. Algumas serão pensadas, mas jamais faladas. Outras cairão em desuso, seja porque envelhecemos ou a língua mudou ou já não mais farão sentido.
Há palavras que nascem para ser agora. Nos ajudam a pôr em marcha nosso desejo. Trazem à reboque histórias de amor, raiva, desentendimentos, culpa. Há as palavras-traiçoeiras, eram para ser ditas de um modo e saem de outro. Mais confundem que ajudam. Têm as palavras-atrapalhadas. Nascem de um nervoso, dor de barriga, cabeça em branco. Daí sai o que primeiro tá na boca. Ferrou-se. Se tiver humor, a coisa vira prosa e se tiver sorte, poesia. Tem palavra que tem braços. Gosto dessas. Envolvem com ternura e vêm disfarçadas de preocupação. É uma mensagem, um e-mail, um bilhete, até uma crônica de jornal. De repente a gente se sente abraçado. É claro que tem também as palavras-furadas. Palavra-oca. A gente sabe, reconhece. A pessoa diz, diz, promete, promete e nada. Essas têm um buraco tão grande que não guardam coisa alguma.
Gosto de palavras. Ouvi-las, mais ainda. Gosto de ver gente esvaziar-se das palavras. Às vezes elas saem feito carreira de formiga, uma atrás da outra, cada qual carregando seu peso. Outras vezes elas chegam numa cusparada. É um cuspe-palavra aqui, outro cuspe-palavra ali e a coisa toda me lembra de quando era criança e a gente fazia campeonato para ver quem cuspia mais longe. E têm palavras-mudas, quietas, silenciosas e com medo de não se reconhecerem quando ditas. Daí, gosto da palavra-canoa, que nos leva para longe da margem e, de dentro dela, observamos o rio-vida.