Desde quando o céu é azul? Fui eu ou foste tu? Os gregos e talvez outros, não tinham uma palavra para nomear o azul. Havia outras cores. Para pintar o céu escolhiam o verde, assim como o mar, o castanho e até cor de vinho tinto. Imagino um céu tinto como malbec. Incendiando por dentro. Meu preferido é o rosé. Um céu rosado ali no lusco fusco do dia. Ali onde as cores se misturam e se perdem, onde há um certo aconchego embora passageiro. Dias atrás comentei com a motorista do Uber sobre o azul do céu. A pessoa olhou para cima e para fora e disse, nunca olho o céu. Olhei para trás. Estávamos no nível do fogo, o céu incendiava as nossas costas. Mas seguimos em frente, em meio ao barulho de buzinas, notificações de aplicativos, uma música qualquer no rádio e o congestionamento da perimetral. Silenciamos. Lembrei das manhãs de inverno, leitosas e frias.
Por que carecemos de nomear as coisas? O céu continua a existir mesmo que não falemos dele. Ou não? Talvez o mundo só exista a partir do momento em que damos sentido a ele, em que reconhecemos a sua existência. Talvez aquele tumulto de sentimentos que nos invade e nunca nomeamos, só se tornarão comum quando, em algum momento, pudermos reconhecê-los e nomeá-los. Mesmo que isso nos assuste profundamente. Então como os gregos escolhemos cores para pintar o céu em busca de uma que seja azul, antes mesmo que a reconheçamos como tal. E quantas vezes isso nos dá a sensação de impossibilidade? E quantas vezes as pessoas ao nosso redor nos olharão com estranheza?
Às vezes experimentamos uma náusea semelhante com relação a vida, ao mundo e aos outros. Quase nunca falamos disso. Temos medo das reações. Medo de nós mesmos e nossas escolhas. Medo do julgamento dos outros. Não entendemos o que se passa conosco e nem os outros querem entender. Como as manhãs leitosas que nos remetem para dentro de roupas pesadas. Queremos nos proteger e assim desaparecemos. Parece que, de quando em quando, chegamos cedo demais às coisas importantes da vida. Antes que elas estejam prontas para nos receber. Às vezes parece que chegamos atrasados. Perdemos o time do (re)encontro com o tempo, o passado, o desejado. Esse fragmento de lugar descontinuado me remete para o céu. Inventar um nome de cor para a cor que existe, mas não a reconheço. Contei à motorista do Uber, depois de um certo silêncio, que um dia numa oficina de desenho uma criança me disse que gostaria de pintar o céu da mesma cor da blusa da mãe. Fiquei pensativa na ocasião. Uma mãe céu, linda, poética, distante, profunda, inacessível? Lembrei de Agualusa, inventamos as pessoas que amamos e somos pessoas que jamais poderão ser inventadas, pois estamos além da imaginação. Então espalhei os lápis de cor, e da junção de cores nasceu um céu, único, próprio e sem nome. Como todas as mães.
Que importa um nome debaixo desse céu que deságua agora?