A primeira vez nunca é fácil. E se é difícil para os meninos, muito mais para as meninas. Hoje tenho a impressão de que falar sobre a primeira vez é ainda mais difícil para o adulto. Vivemos numa sociedade em que os tabus estão mais vivos do que nunca e apesar de todo acesso às redes sociais, assuntos que deveriam ser da ordem do ordinário como a primeira vez de nossos filhos, nunca acontecem. Ouço reiteradamente sobre o medo de contar para a mãe sobre o que está sentindo, medo de que o pai não entenda, medo de que os amigos debochem da falta de experiência, medo de sofrer, medo de se apaixonar, de não ser correspondido, medo do que está sentindo, medo, nojo, raiva. Assim como aconteceu conosco e com nossos pais e avós, o silêncio sobre a vida sexual do adolescente agora se repete com a geração atual. Queremos ser tão diferentes de nossos pais que não conversavam conosco sobre os assuntos que nos angustiavam e estamos cometendo o mesmo erro. Também silenciamos, fingimos que não estamos vendo, tememos tocar no assunto, não sabemos como abordar o tema, achamos que nossos filhos ainda são tão pequenos e que não devemos mexer nisso ainda. Ou pior, assim como aconteceu conosco, meio que descobrindo sozinhos sobre nossos desejos, tesão, buracos e sensações, deixamos para que a vida, de certa forma, forje o adulto sexuado no adolescente imaginado.
Na verdade somos incompetentes para o assunto, sejamos sinceros. Quando ouço um paciente adolescente contar sobre esses primeiros momentos de contato consigo mesmo e com o outro, de modo tão abissal e quase nunca terno, lembro da música da Elis Regina, “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, com todas as belezas e tragédias que herdamos. Funcionamos do mesmo modo para nosso desespero. Afinal tudo o que mais criticávamos neles, fazemos exatamente do mesmo modo. Enquanto isso, ali sentado na poltrona o pequeno ser, ainda tão jovem, tão cheio de sonhos, ilusões, num desamparo único, fala das dores, dos medos que sentiu ou da fantasia de como tudo será.
Pouca vezes conseguimos perceber o sujeito solto em si, quase como que a um passo de perceber-se em órbita, conquistando seu espaço na própria vida. E é quase sempre traumático. Quase sempre dolorido. Quase sempre frustrante e mesmo assim, de uma beleza incrível. Escuto com atenção e carinho e lamento que os pais não consigam estar presentes nesta dimensão de descobrimento do ser que há em seus filhos. Na maioria das vezes ser pais nos rouba a capacidade do entendimento ontológico. Olhar para aquele sujeito de 15, 16 ou 18 anos que vem se ensaiando há mais tempo, no sentido de perceber-se também enquanto corpo desejante, é estar junto, reforçar o laço do amor ético, atravessar essa descoberta permitindo-se ser mãe ou pai, mas deixando que essa pessoa seja finalmente pessoa e que um dia, será independente, autônoma e conseguirá cuidar de si mesma.
Às vezes penso que não falamos com nossos filhos sobre a entrada na vida sexual como modo de mantê-los perto, numa fantasia de dependência, muito mais nossa do que deles. E nesse sufocamento invisível e disfarçado de incompetência para o assunto, não tocamos nos nossas próprias dores e mágoas.