A primavera voltou. O jardim que habitamos não foi escolha nossa. Nascemos e florescemos em espaços que nem sempre são os quais gostaríamos. E florescemos. É da nossa natureza parir vida. Para além da cor, raça, sexo, crença ou idade, brotam em nós ramos, flores, frutos e, às vezes espinhos. Somos complexos. Somos humanos. Somos amor e raiva. Ao descobrir(se), num primeiro momento, o susto. Depois o medo.
Afinal, como explicar que há um jardim cheio de sol, cores, pássaros e escuros habitando nosso corpo, sonhos e alma? Como explicar o desejo de pétalas e orvalho diante de um mundo de seres que ostentam dentes como espadas afiadas? Cobrir-se de poesia gera espanto e descrença. Há quem diga que somos fracos, despreparados para enfrentar as intempéries. Mas não sou a única a acreditar no ser que há dentro do humano. O desejo de semear amor e paz despertou em muitos.
E isso faz com que nossas diferenças sejam insignificantes. Não há muros que nos afastem mais e nem homens que impeçam a disseminação das mais variadas espécies que somos, como gerânios, jasmins de poeta, margaridas, palmas, amores-perfeitos, orquídeas, ligustros, ciprestes, trepadeiras, glicínias, madressilvas, laranjeiras, cerejeiras. Por todos os lados flores, arbustos, árvores, esticam seus braços. Nos reconhecemos e, assim, vamos construindo um novo ecossistema.
O equilíbrio permite que a luz e os pingos da chuva abracem sementes de todos os tipos, celebrando a diversidade. A beleza do jardim se faz pelas flores das mais variadas espécies e sem se importar com expectativas e ilusões, por vezes consumistas e narcísicas. A natureza é sábia, exige que nossas raízes sejam mais profundas. Somos corações e mentes férteis e repletos de sementes boas, às quais faz-se necessário darmos a luz, e logo. A primavera voltou e sim, chega a hora de mostrar a que viemos.
Mas é preciso coragem para assumir-se flor. Também volto, como a estação. Às vezes mais florida, noutras, cactus. Estendo meus braços –galhos -palavras e te convido a sombrear também. Precisamos amar sem débito, sorrir com o coração e deixar as flores que somos realizarem a revolução.