Fundada pelo passo-fundense Volmar Santos, a Coligay, a primeira torcida de futebol formada por homossexuais do mundo, inspirou a produção de uma minissérie sobre a sua história.
Dedicada a impulsionar os jogos do Grêmio, o grupo se destacou pela sua coragem e irreverência durante a ditadura militar nas décadas de 1970 e 1980.
Conforme o estúdio independente de filmes Ventre Studio, a produção de Coligay F.C. tem como base o livro homônimo de Léo Gerchmann.
— A narrativa conta a história de um grupo de rapazes gremistas que rompe preconceitos em plena ditadura militar, no final dos anos 1970. Na minissérie, a intenção é transpor para as telas o que a torcida representava: alegria, música, coreografias, roupas extravagantes e uma mensagem de liberdade que chocava os olhares mais conservadores da época — disse o Ventre Studio.
O longa é dirigido por Paulo Machline — indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em 2001 por Uma História de Futebol —, e Rafael Gomes, de 45 Dias Sem Você. O roteiro é assinado por Patricia Corso, com participação de Fernando Américo. Coligay F.C. tem previsão para estrear em 2025.
Relembre a história
Natural de Passo Fundo, Volmar Santos fundou a Coligay em 1977, no período em que vivia em Porto Alegre. Ele lembra que tomou a decisão depois de assistir a um jogo do Grêmio e achar que o estádio estava quieto demais. Do seu ponto de vista, as torcidas organizadas da época não estavam apoiando o time como deveriam.
Ele, então, decidiu criar sua própria torcida organizada. Mas, como estava em Porto Alegre há pouco tempo, só conhecia as pessoas que frequentavam sua boate LGBT+, a Coliseu.
—Foi aí que pensei em criar uma torcida com o pessoal que frequentava a boate. Conversei com eles e formamos a Coligay. “Coli”, de Coliseu, e “Gay”, porque era majoritariamente o público que frequentava a boate. No início éramos 30 pessoas, mas chegamos a ter mais de 200 integrantes na torcida — contou Volmar.
Agora, aos 76 anos, ele afirma que a minissérie será um feito histórico ao apresentar a torcida para quem não conhece sua história.
— Muitas pessoas não conhecem a história da Coligay e ficarão surpresas assistindo a produção. Nem todo mundo sabe o quanto existia fanatismo e loucura na nossa torcida. Onde a Coligay passava, era sucesso absoluto! Seja nos estádios ou nas ruas, nosso objetivo era apoiar o Grêmio. Muita coisa que vai passar na série já está gravada e o que posso dizer é que, com certeza, vai trazer muitas alegrias para todo mundo que assistir — disse.
Sucesso absoluto
De acordo com Volmar Santos, o sucesso da torcida foi tanto que muitas pessoas iam para o estádio só para ver o show que a Coligay dava nas arquibancadas.
— Em cada partida levávamos um espetáculo diferente. Pais iam com filhos, irmãos, primos, amigos, todo mundo queria assistir a Coligay. A gente fazia uma festa linda, com muitas canções, sem confusão, apenas torcendo de verdade e apoiando o Grêmio durante todo o jogo — lembrou o passo-fundense.
A Coligay existiu até 1983, quando Volmar precisou voltar para Passo Fundo cuidar de sua mãe, que estava doente. Ele deixou um dos membros mais atuantes da Coligay tomando conta da torcida, mas o projeto não seguiu adiante.
— Era muito difícil controlar tudo, porque cada pessoa tem uma maneira de ser, de trabalhar... Eu tinha muita amizade, muita conversa com o pessoal, então contornava diversas situações. Quando ia voltar para Passo Fundo, até procurei conselheiros para ajudarem o rapaz que ficaria responsável, mas ele não conseguiu levar a torcida em frente, aí terminou — conta Volmar.
Mais de 40 anos após encerrar as atividades, a Coligay segue viva no imaginário das pessoas e recebendo homenagens. Em 2022, o Grêmio usou suas redes sociais para homenagear a torcida e Volmar Santos no Dia Internacional do Orgulho LGBT+.
Em vídeo compartilhado pelo tricolor, o presidente do Conselho Deliberativo, Alexandre Bugin, destacou a importância da Coligay na história do clube.
— Até hoje a Coligay é motivo de orgulho para a gente. A primeira torcida gay do Brasil, que representa muito para o Grêmio.… Para nós, é um orgulho muito grande poder lembrar o trabalho que eles fizeram naquela época — frisou Bugin.
Desde o término da Coligay, iniciativas semelhantes surgiram no futebol brasileiro. Um levantamento do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ de junho de 2023 aponta que hoje existem cerca de 20 torcidas organizadas LGBT+ no Brasil. Porém, na opinião de Volmar, nenhuma delas repetirá o que ele e seus companheiros fizeram entre 1977 e 1983.
— A Coligay ficou na história, né? Algo totalmente diferente, inédito, ainda mais na época da ditadura. Felizmente, nunca tivemos nenhum tipo de problema quanto a isso, justamente porque o nosso objetivo era apenas torcer, mas com muita responsabilidade. Por nossa irreverência, desde o início tentaram nos copiar, mas até hoje ninguém conseguiu. Uns por preconceito, outros porque queriam entrar em brigas. Algo totalmente diferente do nosso propósito. Por isso, a Coligay sempre será lembrada no mundo inteiro como algo único — finalizou.