A primeira torcida organizada do Brasil formada por homossexuais, a Coligay, do Grêmio, terá sua história contada em forma de minissérie ficcional em 2025. A produção é do Ventre Studio, que recentemente anunciou o início das filmagens do longa-metragem Cem Dias Entre Céu e Mar, sobre o lendário navegador Amyr Klink. A direção será de Paulo Machline, indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em 2001 por Uma História de Futebol e realizador de Meu Sangue Ferve por Você (2023), sobre o cantor Sidney Magal, e Rafael Gomes, de 45 Dias Sem Você (2018) e Meu Álbum de Amores (2021). O roteiro tem assinatura de Patrícia Corso, coautora do filme A Porta ao Lado (2022) e da série João Sem Deus: A Queda de Abadiânia (2023), e é baseado no livro Coligay: Tricolor e de Todas as Cores (editora Libretos, 2014), do jornalista Léo Gerchmann. Ainda não há definição de nomes do elenco. O Canal Brasil vai exibir os episódios, que devem ser coproduzidos em parceria com uma empresa estrangeira.
— O Ventre tem como ambição contar grandes histórias brasileiras, inspiradoras, para o mundo. A coprodução com diferentes países é uma forma natural de expandir o potencial de filmes e séries, contando com a sociedade de parceiros internacionais, desde o desenvolvimento ao lançamento em novos mercados — comenta João Queiroz Filho, produtor e sócio do Ventre Studio.
Fundada e liderada por Volmar Santos, na época gerente da boate Coliseu, a Coligay nasceu na tarde de 10 de abril de 1977, no jogo Grêmio 2x1 Santa Cruz, pelo Campeonato Gaúcho. Foi, como escreveu o jornalista Eduardo Deconto em reportagem publicada em Zero Hora em 2022, "uma torcida pioneira, a única organizada identificada como homossexual (muito antes da sigla LGBT+ surgir) a frequentar um estádio de futebol. Uma torcida revolucionária, que combateu a homofobia (muito antes da palavra surgir nos dicionários) em plena ditadura militar". Era "uma nova afronta ao machismo gaúcho", conforme a edição de 26 de setembro de 1977 de Zero Hora.
— Na época, eu não tinha a noção. Mas vai ficar para o resto da vida na história do Grêmio — contou Volmar a Deconto.
O nome da torcida vem da boate comandada por Volmar no número 1.281 da Avenida João Pessoa. Da Coliseu, os "coliboys" seguiam à risca o hino do clube: percorriam a pé — às vezes de ressaca — os dois quilômetros até o Estádio Olímpico. Lá, faziam coreografias e entoavam cânticos. O centroavante Baltazar, apelidado de Artilheiro de Deus, ganhou música personalizada quando entrava em campo: "Vamos todas para o altar, que chegou o Baltazar".
O grupo começou com algumas dezenas de torcedores e chegou a ter 200 integrantes, que vestiam trajes de paetê, calças justas e túnicas nas cores do clube. A Coligay enfrentou boatos preconceituosos — como o de que eram "colorados infiltrados para manchar a imagem do Grêmio". Os jogadores demoraram a aceitar, mas depois enalteceram o apoio diferenciado.
— Era uma torcida fantástica, ajudaram no momento difícil do Grêmio (em 1977, o Inter era octacampeão gaúcho). Eles fizeram a diferença — ressaltou o ex-jogador Iúra na matéria de Deconto.
O jornalista Léo Gerchmann, autor do livro Coligay: Tricolor e de Todas as Cores, diz que o Grêmio acabou por abraçar a torcida.
— A sensibilidade do presidente Hélio Dourado ajudou. Um homem tido como politicamente conservador teve a visão de aceitá-los — disse Gerchmann em entrevista publicada em Zero Hora em 2014. — Primeiro, Dourado estranhou. Depois, o Volmar foi até ele e pediu espaço. Ele levou muito em consideração o gesto do Volmar. Para o livro, Dourado me disse: "Eram gremistas. O que eles faziam fora do Olímpico, depois do jogo, não me interessava".
Apesar da homofobia na sociedade, quase não há registros de ataques aos torcedores da Coligay. Se houvesse, seus integrantes estariam preparados.
— Eles treinavam defesa pessoal, faziam aulas de caratê para se defender. Mas eles não se envolviam em brigas — afirmou Gerchmann.
A Coligay terminou em 1983, quando Volmar Santos teve de voltar para a cidade natal, Passo Fundo, para cuidar da mãe, que estava doente. Nos poucos anos de vida, a torcida viu o Grêmio encerrar o longo jejum no Gauchão, conquistar o primeiro título no Brasileirão, em 1981, e tornar-se campeão da Libertadores e do Mundial, em 1983. Mais de 40 anos depois, enfim podem ser encontradas iniciativas semelhantes no futebol brasileiro, como a Fla Gay, criada em 2016 com o mesmo nome do grupo surgido em 1979, mas que ficou amaldiçoado por estrear numa derrota por 3 a 0 do Flamengo para o Fluminense; o LGBTricolor, coletivo fundado em 2019 por torcedores do Bahia; e o Vozão Pride, lançado em 2020 para apoiar o Ceará.