Pelo menos 16 pessoas denunciam terem sido lesadas após o fechamento de uma escola de gastronomia de Passo Fundo, no norte do Estado. Os alunos, que fizeram o pagamento dos cursos à vista, afirmam que não foram restituídos dos valores pagos pelas aulas. A unidade faz parte da franquia Chef Gourmet e encerrou as atividades em outubro de 2023 em Passo Fundo.
Segundo a Polícia Civil, o inquérito policial foi instaurado no Cartório do Idoso de Passo Fundo e investiga se houve crime de estelionato. A investigação ainda está em fase inicial, com tomada de depoimento das vítimas. Ao todo, foram registradas 16 denúncias, desde adolescentes até idosos.
GZH ouviu duas das 16 vítimas, que relatam situações parecidas: ambas pagaram o valor total do curso no momento da matrícula e não tiveram mais informações sobre a escola após o fechamento. No caso delas, o prejuízo chega a R$ 10 mil.
Uma das alunas lesadas foi a esteticista Grazielli Ceolan. Pensando em mudar de vida, ela decidiu focar na gastronomia e investiu cerca de R$ 10 mil em um dos cursos profissionalizantes oferecidos pela Chef Gourmet. O pagamento foi feito à vista e contemplava inscrição, material e uniforme.
Com duração total de dois anos, Grazielli estava no oitavo mês do curso quando a escola fechou. Ela lembra que um aviso inicial foi dado por mensagem no WhatsApp, na qual a instituição comunicou dificuldades financeiras. Após isso, os avisos foram desencontrados:
— Pensamos que seria passageiro, mas ainda na mesma semana falaram que fechariam, que os problemas não tinham solução. Dali em diante foi apenas boatos de que reformariam, que mudaria o nome, mas nada certo. Hoje eu ainda trabalho com pães e bolos, é o que gosto de fazer. Mas o investimento que fiz não deu retorno. É uma situação inacreditável.
Colega de Grazielli, a promotora de vendas Katiane Dutra também teve o curso interrompido. Ela havia concluído cerca de um ano e dois meses dos estudos de dois anos. O dano foi de cerca de R$ 8,3 mil, também pagos à vista, que incluem R$ 7,8 mil da matrícula somados a R$ 500 de materiais.
— Eu já tinha feito um curso de oito meses de cozinha salgada, tenho o certificado. Nessa segunda vez já começou a ter problema desde o início, ouvíamos que os professores não recebiam direito. Depois os problemas de recursos apareceram, faltava material de apostila — relata.
No caso da Katiane, ela entrou em contato com a franqueadora para reivindicar um certificado do tempo cursado. Porém foi informada de que o ressarcimento não caberia à empresa.
Procon tenta resolução entre as partes
Nas esferas de apoio ao consumidor em Passo Fundo, há outras denúncias de pessoas lesadas pelo fechamento da escola. No Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) foram nove registros, junto a outros três no Balcão do Consumidor da Universidade de Passo Fundo (UPF).
Os órgãos fazem uma apuração extrajudicial e notificam as partes na intenção de que haja o ressarcimento e resolução do problema. Nos casos envolvendo franquias (nesse caso, a escola que fechou em Passo Fundo) e franqueadoras (aqui, a Chef Gourmet), ambas podem ser responsabilizadas, como explica o coordenador do Procon local, Lucca Gavião:
— O entendimento hoje é de que, nessas relações de consumo, ambos (franqueado e franqueador) são responsáveis. A demanda pode incluir ambos, ou apenas a franquia ou a franqueadora, mas o entendimento geral é de que ambos podem ser incluídos. E, no momento, estamos notificando e trabalhando nisso.
O mesmo ocorre no Balcão do Consumidor. Nos processos que correm por lá, ambas as partes estão sendo incluídas, como adianta o coordenador Franco Scortegagna:
— Nós, desde o início, vinculamos as duas partes: franquia e franqueador. Porém, neste caso a franquia mencionou não existir a responsabilidade, se eximindo e colocando os problemas para o franqueador (Chef Gourmet).
O que diz a unidade de Passo Fundo
O sistema de franquia funciona como um modelo de negócio onde o dono da marca autoriza contratualmente que uma filial utilize seu nome e produto, pagando pelo direito de distribuição dos serviços. No caso da Chef Gourmet, conforme o advogado Célio dos Santos Oliveira Junior, que defende a franqueada da unidade local, a sede de Passo Fundo pagava royalties à rede de tudo que era vendido, como forma de permissão do uso e comercialização da marca.
Por meio de nota, ele aponta falta de transparência por parte da rede franqueadora. Segundo ele, a proprietária enfrentou grave situação financeira e recebeu a recusa da franqueadora de oferecer suporte adequado. Ainda, informou que a proprietária responde por dívidas anteriores a sua gestão e que os lucros atuais eram usados para essas dívidas e pagamento de royalties à rede. Ambos os fatores teriam levado ao encerramento das atividades por dificuldades financeiras. Leia a nota:
“Diante da grave situação financeira da unidade e da recusa da franqueadora em oferecer suporte adequado, incluindo injeção de capital, dona da franquia precisou encerrar as atividades, visto que não tinha mais dinheiro para comprar insumos das aulas.
A Sra. está respondendo por dívidas anteriores a sua gestão, perante a alunos que sequer conhece, que nunca fechou contrato, porém, a franqueadora vendeu esses cursos, embolsou dinheiro e passou o problema para frente, no caso, para a Sra. que assumiu a unidade.
Lamentamos profundamente os prejuízos sofridos pelos alunos da unidade de Passo Fundo (RS) e deixamos claro que ninguém saiu lucrando com a falência da empresa. Não é um caso em que a empresa quebra e o sócio segue rico. Vocês estão diante de um caso em que a pessoa fica insolvente, com contas sem dinheiro e bloqueadas, sem nenhum patrimônio, tentando reconstruir a vida.”
O que diz a rede Chef Gourmet
Também por meio de nota, a franqueadora Chef Gourmet informou que lamenta o caso e a atitude da franqueada de se isentar da responsabilidade sobre o fechamento inesperado da unidade em Passo Fundo. Ainda, informou que adota todas as medidas necessárias contra qualquer dano que possam sofrer os envolvidos e disponibiliza um número de WhatsApp para fornecer orientações específicas. Leia a nota na íntegra:
"A franqueadora Chef Gourmet lamenta profundamente o ocorrido, pois também foi surpreendida pelo fechamento inesperado da unidade de Passo Fundo e atitude da franqueada em tentar se isentar da responsabilidade, agindo fora do padrão da empresa.
Estamos adotando todas as medidas necessárias contra qualquer dano que possam sofrer os envolvidos, incluindo os queridos alunos, fornecedores, colaboradores e a reputação da nossa rede.
A franqueadora disponibiliza aos alunos, o número de WhatsApp (41) 9868-0028, que será o canal disponível para fornecer orientações específicas sobre os próximos passos a serem seguidos, e coloca-se à disposição".