Resultado de um procedimento inédito na região, as irmãs Kauany e Kerolyn vivem sem sequela aparente da cirurgia a que foram submetidas há 11 anos para garantir suas sobrevivências. As gêmeas siamesas nasceram unidas pelo tórax, dividindo órgãos vitais como intestino, fígado e bexiga.
Aos 11 anos, as duas estudam no quinto ano de uma escola municipal de Marau, no norte do Estado. Aos cuidados da mãe, a gerente de loja Adriana Ribeiro, elas levam uma vida saudável, com cuidados básicos de saúde, e brincam e dividem os mesmos gostos das demais crianças da mesma idade.
— A gente gosta de brincar, desenhar e dançar — respondem em sintonia as irmãs, uma completando a frase da outra.
Ao longo da vida, elas precisaram passar por alguns anos de alimentação suplementada e regrada, por conta das divisões dos órgãos. Mesmo sem a ligação física entre elas, as irmãs ainda são companheiras incondicionais e fazem tudo juntas, dividindo inclusive a mesma cama.
— Após 11 anos, eu ainda olho para elas e me surpreendo. Estão saudáveis, vão para escola e brincam. Hoje já tiramos tudo de letra. Ao longo destes anos, tudo foi sempre conversado, elas sempre tiveram clareza da condição delas. Conforme vão crescendo, eu vou falando sobre os procedimentos que ainda precisam ser feitos, para não assustá-las — explica a mãe.
Separação durou oito horas
Inédito e único no norte do Estado, o procedimento demandou estudo, preparação, planejamento. Uma equipe de seis médicos foi envolvida diretamente, com outros cerca de 20 profissionais que deram suporte nas áreas de anestesia, terapia intensiva e pediatria.
A cirurgia de separação foi realizada aos 10 meses de vida das gêmeas e durou cerca de oito horas. Foram divididas as partes do fígado, da bexiga e do intestino, que ficou um metro para cada uma. A fase final foi o fechamento do abdômen e da parte genital.
— Foi o caso mais complexo que tivemos, por isso levou tanto tempo e demandou tantos colegas. Na época, escolhemos fazer em Passo Fundo pela proximidade da família. As meninas estão bem, e daqui em diante só mexeremos no que envolver a qualidade de vida delas — relata o médico que acompanhou a operação, o cirurgião pediátrico Gustavo Pileggi Castro.
A mãe relembra que aguardou todo o momento ao lado da porta do bloco cirúrgico, acompanhando o progresso da cirurgia em meio a preces e à incerteza da sobrevivência das pequenas:
— Eu lembro até hoje do momento que pediram pela família delas no corredor, e me falaram que as duas estavam vivas. Aquilo foi como se tivessem tirado um peso das costas. A partir dali, contei os segundos até as ver, que estavam bem. Dormiram por 48 horas depois da cirurgia, dali foi uma vitória por dia.
Onze anos depois, os cuidados
Após o sucesso da separação, as meninas passaram pouco mais de um ano internadas no Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo, para reabilitação do estado de saúde e fortalecimento do sistema imunológico.
A alta veio em fevereiro de 2013, quando a dupla pode ir para casa junto das irmãs mais velhas, Kemely, hoje com 21 anos, e Thauany, 13. Entre os cuidados, elas precisaram passar por uma dieta especial e uso de bolsa de colostomia, que foi retirada por volta dos quatro anos.
— Coração de mãe é aquele que tem medo, sofre e clama. Mas minha cabeça sempre esteve em busca constante pelo bem delas. Foi uma busca constante e lutas diárias. Superamos cada momento — relembra Adriana.
Para o futuro, a família se prepara para uma cirurgia que Kauany deverá passar, para correção da bacia, com fechamento do quadril, e retirada de parte da bexiga.
— Elas possuem particularidades que precisam de cuidado sempre, mas novos procedimentos virão na tentativa de melhorar a qualidade de vida delas. Elas caminham, brincam e, se estão felizes desta forma, não tem o que mexermos — aponta o médico Gustavo Pileggi Castro.