Recicladores de cooperativas de Passo Fundo, no norte gaúcho, passaram a ter uma atividade diferente uma vez por semana, no turno inverso ao trabalho: eles deixam as esteiras de reciclagem do lixo para ir à sala de aula, onde aprendem a ler e a escrever.
A ação é parte de um projeto de extensão da Universidade de Passo Fundo (UPF) que existe desde 2017 e proporciona aulas gratuitas aos recicladores da Cooperativa de Trabalho Amigos do Meio do Meio Ambiente (Coama). O trabalho de alfabetização acontece todas as quartas-feiras em uma sala ao lado do local de trabalho do grupo, na Vila Popular.
O projeto é uma ponte para mudar o cenário de analfabetismo a nível local. No Brasil, havia 11,4 milhões de analfabetos em 2022, número que representa 7% do total da população com 15 anos ou mais, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além de possibilitar o primeiro acesso às salas de aula aos estudantes de Pedagogia, as classes são um caminho novo para pessoas que nunca tiveram a oportunidade de frequentar a escola. Entre os recicladores, as histórias são parecidas: a maioria precisou abandonar os estudos ainda criança para ajudar no sustento da família.
— Eu tinha que ajudar em casa. Estudei por dois anos e, quando ia, ia pouco. No fim, eu não consegui aprender nada — conta a recicladora Eva de Fátima Godois de Chaves, hoje com 57 anos.
— Quando minha mãe faleceu, ficou ainda mais difícil. Tínhamos que ajudar o meu pai. Aquele tempo era muito difícil — lembra o reciclador Luiz Carlos Oliveira dos Santos, 55.
Caminho para a independência
O projeto é essencialmente dedicado à alfabetização de adultos, mas também oferece atendimentos à saúde, em especial odontológicos. Nas aulas, a forma de ensinar muda conforme a necessidade de cada aluno. Eva, por exemplo, não sabia ler, enquanto Luiz tinha dificuldade em unir as palavras. Cada caso é um caso — e o ensino acontece da mesma forma.
— Temos uma aluna que está começando agora, do zero, a fazer os reconhecimentos do alfabeto e a trazer toda aquela estrutura de montar as palavras. A primeira coisa que uma professora vai ensinar ao aluno é como ele escreve o próprio nome — disse a professora Olinda Quadros de Lima.
A aluna iniciante é Rosmari Alves, 54 anos, que viu no caderno e lápis a oportunidade para a independência.
— Agora comecei a aprender a assinar o meu nome. Quero aprender a ler e não mais depender dos outros. Quero depender de mim mesmo — disse, com um sorriso.
Essa etapa já foi vencida por Eva, que hoje é a presidente da Coama. No papel de liderança, ela conta que sentiu a necessidade de estudar assim que ficou à frente da entidade, em especial pela necessidade de escrever o próprio nome.
— Os cheques começaram a voltar pois eu não sabia escrever meu nome correto. E isso é dinheiro que a cooperativa perde, o que é super importante para as famílias. Hoje me sinto muito feliz aqui. Estudando, lendo... E agora os cheques não voltam mais. Sei assinar tudo direitinho — contou bem-humorada.
Mas o principal, diz Eva, é ser independente, sem precisar pedir permissão ou ajuda para as tarefas mais simples, desde assinar o próprio nome a ler placas:
— Agora não dependo dos outros, sei chegar em um lugar e saber onde eu estou. Meu futuro agora é isso: aprender a ler.