A entrada de milhares de migrantes ao norte gaúcho nos últimos anos fez com que muitas cidades precisassem se adaptar à nova realidade para acolher e garantir serviços aos recém-chegados, como saúde e educação.
Em Tapejara, município com cerca de 25 mil habitantes, quase 15% da população veio de outros países, em especial da Venezuela nos últimos três anos.
Para atender essa parcela da população, a cidade precisou se reestruturar e criou uma unidade de saúde com atendimento especializado de migrantes. Só em 2024, já foram cerca de 10 mil atendimentos.
É neste local, que a jovem Saraí Figuero, 17 anos, faz o pré-natal da gravidez. O marido dela, também venezuelano, está ansioso pela chegada do primeiro filho do casal.
— Espero que ele tenha uma vida melhor, com menos dificuldades que a gente tinha na Venezuela — disse Antony Rondón, que trabalha como serviços gerais em Tapejara.
Os reflexos também podem ser percebidos na educação. Dos 3.560 alunos das escolas de Tapejara, 411 migraram de outros países. Para atender a demanda, foi preciso ampliar as turmas nas escolas municipais e contratar mais professores e monitores.
O desfio também é em relação ao aprendizado das crianças, que muitas vezes têm dificuldades em função do idioma e do sistema de ensino diferente ao que estavam acostumados.
Enquanto isso acontece, os migrantes se adaptam à nova realidade e ao novo país, como aconteceu com Aníbal Velasquez. Ele vive em Tapejara há sete anos e trabalha como analista de qualidade. O começo foi difícil, assim como a maioria dos migrantes.
— Foi começar do zero. Primeiro vim sozinho, deixei mulher, os filhos pequenos, casa, carro, o emprego que eu gostava. Só depois consegui trazer a família. Hoje agradeço a Deus por ter me trazido pra cá — conta.
Para driblar os efeitos da crise econômica e do governo de Nicolás Maduro, muitos venezuelanos escolheram o Brasil para viver. Até a metade deste ano, quase 100 mil chegaram no país. Pelo menos 5,5 mil entraram por Roraima apenas nos 18 dias após a reeleição de Maduro, em 28 de julho.
Segundo o governo federal, cerca de 600 mil vieram e ficaram no Brasil nos últimos oito anos.
Quem permaneceu
Com 9,7 mil habitantes, Chapada foi o primeiro município gaúcho a pedir para receber os refugiados. Em 2018, 52 venezuelanos chegaram no município através de um processo de interiorização do governo federal.
A administradora de empresas Emery Urbina, que chegou com o grupo pioneiro, segue morando na região. Hoje ela vive com os três filhos em Carazinho, a cerca de 50 quilômetros de Chapada, e diz ser grata pelo acolhimento e tudo que construiu.
— Foi uma recepção muito calorosa. Agradeço com alma tudo o que fizeram por nós. Aquela agonia pela alimentação, educação, tudo isso passou. Hoje a gente tem planos para o futuro. Minha filha maior ela está cursando Economia e eu estou cursando Relações Internacionais — contou.
O operador de plataforma Ali Carrillo veio no mesmo grupo com a mulher e dois filhos. Na época, o menor tinha apenas oito meses. A família lembra a chegada no país por Roraima.
— Foi difícil em Boa Vista. Nós trabalhamos vendendo panos no semáforo. Muita gente ajudou comprando, mas também teve quem nos humilhou. A vida mudou quando a gente veio pra cá. Hoje nós temos casa mobiliada, nosso carro. Deus fez a gente passar isso tudo e depois as portas se abriram — disse.
O venezuelano mora em Carazinho, onde pretende seguir a vida com a família.
Acompanhe a série "Migrantes: um recomeço"
Na terceira e última reportagem da série "Migrantes: um recomeço", na quinta-feira (12), mostramos como é a adaptação das crianças que chegam no Brasil, o sentimento de quem já conseguiu organizar a vida aqui e quais os sonhos daqui para frente.