A despeito da existência de pontos controversos, cada avanço no processo de mudança do sistema de impostos sobre o consumo merece ser saudado. É o caso da apresentação do relatório final da regulamentação da reforma tributária, conhecido na quinta-feira, elaborado por um grupo de trabalho (GT) criado para este fim na Câmara dos Deputados. A previsão é de o texto ser votado nos próximos dias no plenário, antes do recesso de meio do ano do Congresso. Ainda há possibilidade de algumas alterações.
Um ponto relevante do relatório foi a manutenção da alíquota básica do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 26,5%, apesar das mudanças em relação à proposta de regulamentação enviada pelo Executivo
Um ponto relevante do relatório foi a manutenção da alíquota básica do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 26,5%, apesar das mudanças em relação à proposta de regulamentação enviada pelo Executivo. Ainda será uma das mais altas do mundo, mas também fica distante das piores hipóteses que chegaram a ser estimadas, acima de 27%. O grande ganho da reforma é a simplificação, dando fim ao emaranhado tributário que onera a economia, cria contenciosos judiciais, eleva custos de produtos e mina a competitividade do país. Basta lembrar que estudo do Banco Mundial sobre facilidade para apurar e pagar impostos, com 190 nações, colocou o Brasil na 184ª posição.
O relatório ainda traz questões polêmicas, como as que tratam dos segmentos que terão carga maior. São os itens que estão listados no grupo do “imposto do pecado”, a exemplo de cigarros, bebidas alcoólicas e produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Não deixa ser curiosa, se não estranha, a inclusão de veículos elétricos nesta lista e a exclusão das armas e de alimentos ultraprocessados.
O texto que saiu do relatório, entretanto, ainda não é o definitivo. Pode ser alterado antes da votação em plenário e, na fase seguinte, quando passar pelo Senado. É possível, portanto, dialogar e corrigir eventuais distorções. Deve-se evitar qualquer possibilidade de elevação da alíquota básica, um risco existente devido a pressões de setores por vantagens específicas. Mas ainda existe a chance de aperfeiçoar a reforma. Notadamente buscando eliminar alguns benefícios localizados e tratamentos especiais, o que poderia deixar a alíquota-padrão menor. Se há esta oportunidade, fariam bem os parlamentares se não a desperdiçassem.
A Câmara criou dois GTs para discutir a regulamentação da reforma tributária. O primeiro, que apresentou o relatório na quinta-feira, tratou do texto principal. Abordou aspectos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser cobrado por Estados e municípios, da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), responsabilidade da União, e do Imposto Seletivo (IS). Este é o que ficou conhecido como “imposto do pecado”. O outro GT analisa o comitê gestor do IBS e a distribuição dos recursos recolhidos entre os entes.
As reformas aprovadas no Brasil nunca são as ideais, mas as politicamente viáveis, frutos de negociações intensas. É próprio da democracia e da pluralidade de visões representadas no Congresso. O país discute a reforma tributária há 40 anos e, neste período, interesses regionais e setoriais antagônicos sempre impediram a formação de consensos. Não deve ser perdido de vista, portanto, que desta vez foi possível superar as diferenças. É um feito histórico.