Talvez um dos raros consensos nacionais seja a necessidade de o país ter juros mais baixos do que o atual patamar, de 10,5% ao ano. É uma condição essencial para elevar investimentos na economia real, baratear o crédito e dar fôlego aos endividados. Os cortes na taxa Selic, no entanto, têm de ocorrer em um ambiente em que os agentes de mercado percebam que, à frente, a inflação converge para as metas. As expectativas nas últimas semanas, porém, indicavam o contrário. Idealmente, o cenário internacional também deveria ajudar. Mas é outro fator ausente neste instante.
O caminho sustentável para o ciclo de cortes ser retomado é o da responsabilidade com as finanças
Sempre com dilemas à mesa, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu na quarta-feira interromper o ciclo de redução do juro básico da economia, parando em 10,5%, após sete cortes consecutivos. Indicou ainda a manutenção deste nível por algum tempo, embora não feche nenhuma porta para o futuro. Pode-se lamentar a decisão ou a conjuntura que levou a ela, considerar que existia anteriormente espaço para acelerar o passo no afrouxamento monetário e o BC foi excessivamente conservador, mas, em relação à definição de antes de ontem, deve-se reconhecer que foi prudente. Um freio de arrumação.
Desde o início de maio, as expectativas de inflação para 2024 pelo Boletim Focus, do BC, divulgado semanalmente, elevam-se paulatinamente. A projeção para o IPCA ao final do ano passou de 3,72% para 3,96% – se afastando mais da meta, 3%, mas ainda está abaixo da faixa de tolerância, 4,5% neste ano . O dólar vem subindo. Uma das causas, talvez a principal desta deterioração de cenário, foi a postura do governo federal de reduzir as metas de superávit primário do país para os próximos anos, sinalizando gastos e dívida pública maiores. Isso significa maior pressão inflacionária no horizonte. Ademais, o banco central norte-americano está demorando além do esperado para cortar o seu juro, o que reduz o conforto para baixar a Selic por aqui.
Outro ponto de elevada importância foi a unanimidade. Na quarta-feira, os nove membros votaram pela manutenção da taxa, após um racha na reunião anterior, quando os quatro indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva se posicionaram por uma redução de 0,5 ponto percentual, enquanto os remanescentes da gestão Jair Bolsonaro, ainda maioria no colegiado, optaram por 0,25 ponto. A divisão gerou ruídos por alimentar a desconfiança de que, quando o atual governo tiver maioria no Copom, poderia existir maior leniência com a inflação e com o desarranjo das contas públicas. Contribuiu ainda para os receios o novo ataque direcionado por Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, no início da semana. A unanimidade é positiva para assegurar a credibilidade que o BC precisa cultivar. A história recente lembra que tentar baixar juro no grito é desastroso.
Diante da economia interna resiliente, do mercado de trabalho forte, da desancoragem das expectativas de inflação e das incertezas em relação aos EUA, a posição do Copom torna-se bastante defensável. Mesmo assim, é frustrante saber que o Brasil segue com um dos maiores juros reais do mundo e, há poucos meses, projetava-se Selic de um dígito ao final do ano. Ao fim, embora pareça enfastiante repetir, resta ao país, por ser o fator que pode controlar, ter mais cuidado com as contas públicas, em especial na coluna do gasto. O caminho sustentável para o ciclo de cortes ser retomado é o da responsabilidade com as finanças.