Está bastante claro para os gaúchos que as consequências das mudanças climáticas não são algo abstrato ou uma ameaça que poderia se materializar no futuro. As perdas de vidas, os prejuízos materiais bilionários, os danos na infraestrutura e os transtornos estão se consumando agora. As chuvas das últimas semanas comprovam que o Estado e a Capital estão despreparados. Negligenciou-se o cenário, já previsto pela ciência, de precipitações mais frequentes em altíssimos volumes.
Assombra a constatação de que a estrutura criada para proteger Porto Alegre colapsou e, ao fim, colaborou com a inundação
É improtelável que prefeituras de municípios em áreas de risco e governo do Estado, com o apoio técnico e financeiro da União, comecem a apresentar para a sociedade planos detalhados, concretos e exequíveis para reformar sistemas de contenção de cheias e criar novas estruturas que consigam evitar novas tragédias. O governo federal, pela maior capacidade financeira, tem o dever de ser protagonista.
O dia de ontem, caótico em grande parte de Porto Alegre, alagada em um número ainda maior de bairros, confirmou a incapacidade de uma resposta minimamente adequada. Com a volta da chuva forte, o sistema de bombas da Capital, que deveria expulsar a água das ruas para o Guaíba, voltou a falhar. Assim como fracassou de forma retumbante no início do mês por planejamento deficiente e falta de manutenção. Assombra a constatação de que a estrutura criada para proteger Porto Alegre colapsou e, ao fim, colaborou com a inundação. A situação ontem se agravou também pelas falências do início do mês.
Reportagem publicada nesta semana em Zero Hora revelou que, em 2018 e no final de novembro do ano passado, engenheiros do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) avisaram a prefeitura sobre problemas em casas de bombas. Alertaram acerca de fragilidades que poderiam causar alagamentos no Centro da Capital. Nenhuma providência foi tomada e o resultado é conhecido. Também espanta a inércia da administração de Sebastião Melo quanto aos vazamentos nas comportas do Muro da Mauá, após mostrarem que não estavam devidamente vedadas na enchente de novembro do ano passado.
O país passará por eleições municipais neste ano. Em muitas cidades haverá mudança no comando dos Executivos. Não é possível, entretanto, aguardar o resultado do pleito para providências robustas começarem a ser endereçadas. Desde já exige-se a elaboração de projetos consistentes e imunes à troca de gestores. Da mesma forma, precisa ser fortalecida no Rio Grande do Sul a rede de monitoramento de níveis e vazões dos rios para evitar novas surpresas, como os alagamentos na Região Metropolitana, onde chega a água de várias bacias hidrográficas.
Urge ainda rever e reforçar o sistema de diques pensado para proteger cidades como Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e Novo Hamburgo, assim como estudos para melhor resguardar Eldorado do Sul de inundações do Jacuí e do Guaíba e para o deslocamento de áreas urbanas em municípios do Vale do Taquari. Obras de drenagem urbana, combinadas a outras estratégias, como a adoção de conceitos de cidades-esponja, com aumento da permeabilidade do solo, também são necessárias.
Trata-se de iniciativas de alto investimento. Será preciso buscar recursos e financiamentos federais e de instituições de fomento nacionais e estrangeiras que tenham linhas voltadas para custear projetos de resiliência climática. Será oneroso, mas restou evidente, como mostram todas as projeções sobre perdas materiais causadas pelas enchentes das últimas semanas no Estado, algumas na casa de R$ 100 bilhões: se omitir é muito mais caro.