Por Lúcio Almeida, professor do Programa de Mestrado e de Doutorado da Universidade La Salle
O dia 20 de novembro é um convite para refletirmos sobre as condições da permanência do racismo em nosso país. Para tanto, é preciso reconhecer seus espaços de convergência e explicação. Nesse sentido, a análise do trabalho doméstico realizado historicamente pelas mulheres negras nos âmbitos interno e externo familiar, no Brasil, é um palco em que o tema do racismo estrutural ganha caráter hermenêutico. O trabalho doméstico faz parte do espaço privado que a tradição ocidental elaborou como espaço do Oikos, ou seja, da casa, da autossuficiência e da relação desigual entre os integrantes. Nesse contexto, Aristóteles apontava que o espaço do Oikos era o ambiente no qual as mulheres, os escravizados, os parentes e os impossibilitados do exercício da cidadania residiriam e viveriam na sua condição natural sob a supervisão do senhor do lar (éstía déspoina).
Romper com o racismo estrutural é romper com essas dinâmicas racistas, sexistas e de classe tão presentes no trabalho doméstico
Na modernidade, temos a contribuição de Marx por meio do seu método materialista histórico-dialético, ou seja, na noção de que o trabalhador ou a trabalhadora é o não capital. Entretanto, Marx equivocou-se ao desconsiderar o estudo do trabalho doméstico, tendo em conta a existência em si, conforme bem observou Meillassoux, de uma carga subjetiva hétero e burguesa.
Por outro lado, segundo Silvia Federici, a análise de Marx acerca do capitalismo permitiu ferramentas para pensar tanto sobre as formas específicas da exploração à qual as mulheres têm sido submetidas na sociedade capitalista como sobre a relação entre sexo, raça e classe.
Com efeito, vale observar a advertência de Lélia Gonzalez acerca das mulheres negras, no sentido de que “em termos de trabalho doméstico, vamos encontrá-la na função de mucama e/ou ama de leite. Nessas circunstâncias, ela mantinha um contato direto com seus senhores, assim como com tudo aquilo que tal contato implicava (desde a violência sexual e os castigos até a reprodução da ideologia senhorial)”.
Assim, por fim, romper com o racismo estrutural é romper com essas dinâmicas racistas, sexistas e de classe tão presentes no trabalho doméstico brasileiro e que se estendem para o âmbito público.