Nas relações entre países, os interesses estratégicos de Estado devem sempre se sobrepor às afinidades ou diferenças entre os governantes de ocasião. É esse princípio que precisa preponderar outra vez para a preservação dos laços entre Brasil e Argentina após a vitória do libertário Javier Milei na eleição presidencial do domingo na nação vizinha. O momento é de buscar o pragmatismo.
É esse princípio que precisa preponderar outra vez para a preservação dos laços entre Brasil e Argentina
Era público que o chefe do Executivo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, preferia ver o governista Sergio Massa vencedor. Não apenas pela maior sintonia política, mas também pelos ataques que sofreu de Milei ao longo da campanha. Mas o eleitor argentino fez uma escolha livre e soberana e cabe ao governo Lula, ao menos institucionalmente, buscar conviver com o novo inquilino da Casa Rosada.
Mesmo que Lula e Milei tenham uma relação fria e distante, espera-se que os serviços diplomáticos dos dois países atuem para evitar maiores ruídos ou mesmo qualquer risco de escalada retórica. E, ao mesmo tempo, que trabalhem pela manutenção de relações e parcerias em andamento. O acordo União Europeia-Mercosul é uma das pautas de grande relevância, com possibilidade de desfecho próximo.
Em sua primeira manifestação após o resultado, Lula foi protocolar. Desejou “sorte e êxito ao novo governo”, mas sem citar Milei. Encerrou lembrando que “O Brasil sempre estará à disposição para trabalhar junto com nossos irmãos argentinos”. Assim, sinalizou que o próximo aceno tem de vir de Buenos Aires.
O agora presidente eleito, que se define como anarcocapitalista, mas também é categorizado como ultraliberal ou representante da extrema direita, moderou um pouco o discurso entre o primeiro e o segundo turno. Será positivo se, ao tomar posse, modular ainda mais o palavrório e repensar posições como a de retirar a Argentina do Mercosul.
Brasil e Argentina têm vínculos históricos, culturais e econômicos. Nas trocas comerciais, basta lembrar que, no ano passado, o mercado brasileiro foi o principal destino das exportações argentinas, superando inclusive a China. O país vizinho, por sua vez, é o terceiro maior comprador das vendas externas do Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, é o segundo. Há ainda uma importante integração na área industrial e de fluxos turísticos. No agronegócio, os interesses são semelhantes.
Os dois principais sócios do Mercosul têm destinos indissociáveis. Para ambos é importante que o parceiro atravesse um bom momento econômico. Disputas ideológicas estéreis à parte, os brasileiros ganham se a Argentina conseguir reverter a crise em que está mergulhada, com uma inflação de 140% ao ano.
Milei é mais um outsider a ter uma ascensão meteórica na política, capitalizando a desesperança da população. No caso argentino, após décadas de decadência geradas por diferentes administrações populistas. Foi um candidato que se apresentou com propostas excêntricas e controversas, como a de acabar com o Banco Central local e dolarizar a economia. O tempo mostrará se vai conseguir implementar essas ideias e quais serão as consequências. Ao Brasil, cabe respeitar a escolha democrática e fazer a sua parte para manter um relacionamento institucional saudável. Governantes são transitórios.