Um raio de bom senso iluminou o governo federal, que desistiu da ideia de patrocinar uma emenda parlamentar ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para mudar a meta de déficit zero das contas públicas em 2024. O prazo para essa alteração seria a sexta-feira. Trata-se de uma decisão acertada, apesar de ser notório que na prática existem chances mínimas de se alcançar o objetivo de igualar receitas e despesas no próximo ano, como o previsto no novo marco fiscal.
Manter neste momento a meta de déficit zero indica ao menos existir algum esforço para se aproximar do objetivo
O que está em jogo, sobretudo, é a credibilidade do arcabouço proposto pelo Executivo e aprovado pelo Congresso há poucos meses para substituir o teto de gastos. O abandono do compromisso de responsabilidade com as contas públicas tão cedo, como chegou a prenunciar o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sinalizaria desdém com o equilíbrio das finanças e contribuiria para deterioração de indicadores como câmbio, expectativas de inflação e juros futuros. Não é algo abstrato. São fatores com consequências na economia real e no dia a dia dos cidadãos.
Se o Planalto seguisse com a ideia de admitir déficit em 2024, demonstrando permissividade com o desequilíbrio, o reflexo imediato também seria alimentar o ímpeto gastador do Congresso e fazer com que os parlamentares se sentissem menos compromissados em aprovar medidas voltadas a elevar a arrecadação. Ao mesmo tempo, enfraqueceria o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que ao longo do ano atuou com habilidade na articulação política com deputados e senadores.
A dificuldade em concretizar o déficit zero reside na resistência do governo – e do próprio parlamento – em cortar despesas em um ano eleitoral, na queda da arrecadação em níveis acima dos previstos e na dificuldade para aprovar no Congresso medidas que elevem as receitas. Haddad, agora, ganha tempo para negociar a votação da agenda que pode aumentar o ingresso de recursos e dialogar sobre o que será possível contingenciar no início de 2024. Resta aguardar para ver até o fim do ano legislativo a real disposição do parlamento de colaborar com o governo.
Calcula-se que seriam necessários R$ 168 bilhões para fechar as contas no próximo ano. Tudo indica ser um valor inalcançável. O mercado financeiro hoje projeta déficit equivalente a 0,8% do PIB. Mesmo assim, manter neste momento a meta indica ao menos existir algum esforço para se aproximar do objetivo, o que dá inclusive mais conforto para o Banco Central seguir o ciclo de corte da Selic – este, sim, um fator que tende a beneficiar a economia de forma mais prolongada, por incentivar o investimento privado. Mas o provável, por ora, é que a vitória de Haddad seja parcial e o governo acabe alterando a meta em março, quando sai o primeiro Relatório de Receitas e Despesas Primárias de 2024. A equipe econômica está e seguirá sob fogo amigo da ala política do governo e do próprio PT.
As preocupações de fundo, quanto à verdadeira relevância que Lula dá ao equilíbrio fiscal, permanecem. O presidente da República parece não ter se livrado da mentalidade obsoleta de que gasto público é capaz de animar a economia. O histórico recente do próprio país mostra um empurrão fugaz e o que acaba restando é o desarranjo que, ao longo do tempo, produz maior endividamento público, inflação, juro mais alto e desconfiança de empresários, investidores e consumidores. O ideal seria que o bom senso, em vez de ser apenas momentâneo, se tornasse matéria de convicção.