A chegada ao país dos 32 brasileiros e familiares palestinos que estavam na Faixa de Gaza coroa a operação bem-sucedida de resgate de cidadãos que permaneciam na zona de conflito no Oriente Médio. A primeira fase da missão trouxe rapidamente cerca de 1,4 mil compatriotas que estavam em Israel, embarcados em oito voos sequenciais encerrados pouco mais de duas semanas após o início da guerra deflagrada pelo ataque terrorista do Hamas. No início do mês, mais 32 brasileiros e familiares foram repatriados da Cisjordânia.
Em assuntos diplomáticos, o uso dos termos corretos é essencial para evitar embaraços
Merecem reconhecimento a competência e a agilidade do Itamaraty e do Ministério da Defesa – em particular da Força Aérea Brasileira – na execução da operação batizada de Voltando em Paz. Não apenas na organização logística do resgate, mas na atenção dispensada aos brasileiros que retornavam, o que incluía a disponibilidade de equipes formadas por médicos, enfermeiros e psicólogos.
Possivelmente pelo maior grau de dificuldade para viabilizar o êxito da operação de retirada da Faixa de Gaza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de receber pessoalmente uma parte do grupo que desembarcou em Brasília. Dos oito voos que vieram de Israel, apenas o primeiro chegou direto em Brasília, na madrugada do dia 11 de outubro, quando Lula se recuperava de cirurgia. Deve-se crer que o presidente, sem fazer qualquer tipo de distinção quanto à origem dos repatriados, teria feito o mesmo em relação aos primeiros brasileiros resgatados de solo israelense se já estivesse em plenas condições de saúde. Essa suposição, porém, se fortaleceria se ao menos depois de voltar à rotina, Lula buscasse contato pessoal com algum concidadão que viveu a tensão dos primeiros dias após o ataque terrorista em Israel.
A postura esperada de um presidente da República é a de alguém que tenha equilíbrio e cuidado com as palavras. Mas ao receber o grupo resgatado em Gaza, Lula foi equivocado e infeliz ao igualar a barbárie levada a cabo pelo Hamas com a resposta de Israel à agressão. Não há equivalência entre uma organização terrorista e um Estado democrático.
É reprovável ainda que o presidente use o desfecho de uma operação bem conduzida para discursos de fundo político e ideológico. Além de acabar ofuscando o cumprimento da missão pela diplomacia profissional brasileira, o que deveria ser o mais importante, gera como consequência o acirramento de uma polarização deplorável e inconsequente.
Em assuntos diplomáticos, o uso dos termos corretos é essencial para evitar embaraços. Ao improvisar em um tema sensível, Lula demonstra pouco cuidado e incapacidade de compreender a complexidade que cerca o conflito. Preocupa ainda mais por ser um erro reiterado. A manifestação do presidente é desastrada por importar para o Brasil incompreensões que há até pouco tempo inexistiam no país. O resultado imediato é o aumento da divisão, algo bastante contraditório com um governo que diz ter a busca da união da sociedade como propósito.
Deve-se lembrar que, entre as partes envolvidas no conflito em curso e a grande maioria dos interlocutores internacionais, o desejo de construir o caminho da paz, com um Estado palestino autônomo, não é unânime. Um dos grandes obstáculos a essa saída buscada há décadas é o próprio Hamas, que tem como razão existencial a destruição de Israel e dos judeus, e não o convívio harmônico entre palestinos e israelenses. As futuras negociações para dar fim definitivo à guerra, portanto, excluem o grupo terrorista, que deve ser neutralizado. À frente, as tratativas devem envolver a Autoridade Nacional Palestina, instituição com legitimidade para um diálogo produtivo, que enfim produza a solução desejada de dois Estados convivendo em harmonia e segurança, lado a lado.