Alarma constatar que a escalada de antissemitismo observada nas últimas semanas em vários países se repete no Brasil, conhecido por ser modelo de convivência pacífica de vários povos, como é o próprio exemplo das relações cordiais existentes entre as comunidades judaicas e de origem árabe. Mais aterrador ainda é saber que, além do discurso de ódio, chegou-se ao ponto de existir planejamento para um ataque terrorista, felizmente detectado a tempo pela Polícia Federal, a partir de informações recebidas das agências de inteligência de Israel e dos EUA.
Causa particular apreensão notar a intolerância vicejando também no Brasil
Atenta ao risco de que a importação das tensões decorrentes do conflito entre Israel e Hamas produzisse acontecimentos trágicos, a PF prendeu ontem duas pessoas que teriam sido recrutadas pelo grupo armado libanês Hezbollah para possivelmente executar atentados contra alvos judaicos no Brasil. Outros 11 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Minas Gerais, São Paulo e Brasília, e a Interpol foi acionada para deter mais dois brasileiros que estariam no Líbano. O trabalho diligente do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério da Justiça e da PF pode ter evitado que a intolerância fizesse mais vítimas inocentes, desta vez no Brasil.
Demanda atenção o fato de a operação ter sido deflagrada na véspera da data que relembra o episódio conhecido como “A noite dos cristais quebrados”. Foi a onda de violência antissemita que irrompeu há exatos 85 anos, em 9 de novembro de 1938, com epicentro na Alemanha nazista. Transformou-se depois no marco do início do processo de perseguição feroz que culminou no Holocausto, o assassinato de 6 milhões de judeus ao longo da Segunda Guerra Mundial. Foi assim chamado pelos estilhaços de vidros nas ruas na frente de sinagogas, residências e estabelecimentos de propriedade de judeus, destruídos e pilhados.
O dia de hoje, portanto, deve servir para uma reflexão não apenas acerca do antissemitismo, mas sobre todo gênero de preconceito. Afinal, assinala uma passagem da História que ilustra o perigo da formação de uma torrente de ódio desencadeada pela discriminação e pela incapacidade de convivência harmônica entre os povos. O antissemitismo, deve-se ressaltar, é uma variante do racismo.
Mas é inquestionável tratar-se de uma data particularmente significativa para a comunidade judaica. Tanto que foi instituída como o Dia Internacional contra o Fascismo e o Antissemitismo. Ganha contornos ainda mais marcantes e dolorosos agora, devido ao ataque contra Israel perpetrado pelo grupo terrorista Hamas no último 7 de outubro e à guerra que se seguiu. No Brasil, a ameaça de atentado conhecida ontem deve sensibilizar todos os que defendem a liberdade, a democracia, os direitos das minorias e a tolerância religiosa.
Para dar a dimensão do aumento do antissemitismo no Brasil e lembrar o fatídico 9 de novembro de 1938, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e algumas federações estaduais organizam hoje eventos para apresentar dados sobre o recrudescimento da intolerância. Em Porto Alegre, é realizado com a Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Firs). São Paulo, Brasília, Recife e Salvador terão a mesma programação. Outras cidades, como o Rio, também terão eventos alusivos à data.
Conforme a Conib, os casos de antissemitismo cresceram mais de 1.000% em outubro no Brasil. Trata-se de um crime inafiançável e imprescritível. Mas, antes de ser um delito, é um ato de desumanidade. Não é crível que a comunidade mundial, oito décadas depois do Holocausto, deixará a semente do ódio outra vez germinar. Causa particular apreensão notar a intolerância vicejando também no Brasil, até então um exemplo para o mundo de convívio fraterno entre cidadãos de diferentes origens, culturas e religiões. Toda a sociedade, sem importar ascendência e credo, deve se engajar na tarefa de cultivar a convivência pacífica, regada no dia a dia pelas relações respeitosas entre todos.