Em meio à exacerbação da intolerância no país, reflexo também de uma onda global de discursos de ódio, merece singular atenção a proliferação de células neonazistas no Brasil. Trata-se de um fenômeno mais visível nos últimos anos, como mostrava o monitoramento da antropóloga Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considerada referência no tema e que morreu no início do ano vitimada por um câncer. Em 2015, Adriana tinha identificado 74 grupos extremistas do gênero em território nacional e, no ano passado, o número chegou a 1.117, sendo mais da metade surgida entre 2021 e 2022.
Há um recrutamento constante de mais jovens para a adesão a ideias radicais e o incentivo a perpetrar atos violentos
São estatísticas inquietantes e que fazem o tema exigir o máximo cuidado de autoridades, órgãos de inteligência e forças de segurança. Foi exemplar, neste sentido, a Operação Accelerare, deflagrada na terça-feira em três Estados, mas com epicentro no Rio Grande do Sul. Foram sete adultos presos, sendo um em Fortaleza (CE), além de um menor apreendido. Agentes cumpriram outros 23 mandados de busca. Em São Paulo, mais dois envolvidos com ordem de prisão acabaram não sendo localizados. O trabalho, capitaneado pela Delegacia de Combate a Crimes de Intolerância da Polícia Civil gaúcha, teve a colaboração da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A preocupação com estas células vai muito além do aumento de manifestações preconceituosas de cunho racista, antissemita, xenófobo, misógino, homofóbico ou outras variações de posições extremistas. De acordo com a Polícia Civil, existia a possibilidade de em breve serem executados atentados contra agentes políticos e professores universitários que combatem o neonazismo e atuam em defesa da diversidade e de direitos de minorias.
Também preocupa a articulação desses grupos com organizações que atuam em outros países. Descobriu-se que os presos na terça-feira mantinham algum vínculo com mais de 32 mil círculos neonazistas em todo o mundo, entre eles dois dos mais atuantes em escala global, localizados nos Estados Unidos e na Europa.
É essencial manter a vigilância atenta, monitorar esses e outros grupos e agir, com a detenção de envolvidos, para em seguida submetê-los a processos judiciais que levem a condenações modelares. Não se trata apenas de disseminação de material ideológico e bravatas no submundo da internet. Há um recrutamento constante de mais jovens para a adesão a ideias radicais e o incentivo a perpetrar atos violentos. Os ataques a escolas no país também estão neste contexto.
Ainda na semana passada, o jornal norte-americano New York Times publicou reportagem em que aponta o Rio Grande do Sul, em especial a região da Serra, como ponto de refúgio e de encontros de grupos neonazistas, inclusive com a presença de membros extremistas de organizações dos EUA. O tema, mostrando a preocupação de autoridades brasileiras notadamente nos três Estados do Sul, também foi abordado no britânico Times. Muito em função de investigações e operações policiais que identificaram células e alcançaram seus líderes. As prisões de terça-feira derivam de descobertas anteriores. É preciso que o monitoramento atento continue, desbaratando esses núcleos e responsabilizando os envolvidos.