Ainda em maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recebeu em Brasília governadores de Estados que aderiram ao regime de recuperação fiscal (RRF) da União. O gaúcho Eduardo Leite era um deles. Na pauta, negociações com o governo federal sobre a possibilidade de repactuação de alguns termos em virtude de dificuldades financeiras que não estavam no radar até meados do ano passado. O principal fator a alterar o cenário foi a redução eleitoreira e de afogadilho de alíquotas de ICMS para combustíveis, energia, telecomunicações e transporte público. Quase que da noite para o dia, o Congresso aprovou uma medida que atingiu em cheio a arrecadação dos Estados em seu principal imposto. Como foi alertado à época, era inevitável que a iniciativa criasse dificuldades no futuro próximo. Dito e feito.
É razoável contar com transigência por parte da União para as negociações evoluírem de forma satisfatória e para que o governo gaúcho consiga algum fôlego financeiro
Reportagem publicada ontem em Zero Hora aponta que o Rio Grande do Sul foi a unidade da federação com a maior queda na receita corrente ao longo do ano passado. O Estado sofreu ainda um forte abalo devido à estiagem que dizimou as lavouras de verão, o que por óbvio também se refletiu na arrecadação. Mesmo sem igual gravidade, a safra 2022/2023 voltou a ser consideravelmente afetada pela falta de chuva, frustrando uma perspectiva maior de recuperação.
Para aderir ao RRF, o Rio Grande do Sul fez uma série de ajustes duros, como as reformas da previdência e a administrativa. Mas, a despeito da lição de casa, o Estado foi prejudicado por fatores sobre os quais não tem controle, como uma decisão tomada em Brasília e o clima adverso. É razoável contar, portanto, com transigência por parte da União para as negociações evoluírem de forma satisfatória e para que o governo gaúcho consiga algum fôlego financeiro. Seria essencial para permitir a continuidade dos pagamentos da dívida, sem que isso signifique a volta de um quadro mais drástico, com atrasos nos salários do funcionalismo, nos pagamentos de fornecedores e com inexistência de recursos para investir.
Após 12 anos, o Rio Grande do Sul teve superávit em 2021. Registrou novo resultado positivo em 2022 e, neste ano, até abril, segue no azul. O que está em jogo, no entanto, é a ameaça de a situação voltar a se deteriorar nos próximos anos. É preciso se precaver dos riscos de o Estado viver outra vez um período de completa penúria, com reflexo no básico, como nos serviços de educação, saúde e segurança, essenciais à população.
O Piratini calcula que o Estado perdeu, em poucos meses do ano passado, mais de R$ 5 bilhões devido à redução forçada do ICMS. A União, no entanto, vai compensar apenas R$ 3 bilhões, e de uma forma diluída, por meio de abatimento nas parcelas mensais da dívida gaúcha. Foi o acordo possível, mas distante de um reembolso adequado. Leite e Haddad têm mantido contatos institucionais de alto nível. Há pleitos como o alongamento do prazo para o cumprimento das metas do regime e a troca de indexador da dívida. O governador também tratou do tema com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira. É plausível esperar que, dentro do possível, exista boa vontade para dialogar e se chegar a uma solução.