Foram constrangedoras algumas das últimas manifestações de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o conflito no Leste Europeu. Quando põe em pé de igualdade Ucrânia e Rússia como responsáveis pela guerra, o presidente desconsidera que um é o país invadido, sem qualquer justificativa, e o outro é a nação agressora. Um poderia não ter atacado. Ao outro não resta alternativa, a não ser se defender.
Ao proferir os disparates anteriores sobre a guerra, Lula se assemehou nesta questão ao seu grande antagonista
As declarações são ainda mais preocupantes por serem repetidas. Ou seja, não são um mero deslize de Lula. Na recente viagem à China, disse que a guerra interessava aos dois, referindo-se ao presidente e autocrata russo Vladimir Putin e ao mandatário ucraniano, Volodimir Zelensky. Só há um território sendo devastado atualmente. Em seguida, nos Emirados Árabes Unidos, reclamou que Zelensky, assim como Putin, não toma a iniciativa de parar o conflito. Em janeiro, chegou a dizer que “quando um não quer, dois não brigam”, outra vez como se a Ucrânia tivesse a opção de acabar com as hostilidades por um simples gesto. Trata-se de uma falsa equivalência, como mostram fartamente os fatos. Ontem, em uma recepção ao presidente da Romênia, Klaus Iohannis, Lula mudou de tom e disse que o governo “condena a violação da integridade territorial da Ucrânia”. Poderia ter tido o mesmo cuidado antes.
Ao proferir os disparates anteriores sobre a guerra, Lula se assemelhou nesta questão ao seu grande antagonista, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em fevereiro do ano passado, em uma inoportuna viagem a Moscou quando a invasão era iminente, Bolsonaro expressou “solidariedade” à Rússia. Depois, com o conflito iniciado, desautorizou o então vice Hamilton Mourão, que recriminou o ataque. Bolsonaro chegou ainda a negar a existência de massacres e relacionou a guerra ao fato de Zelensky ter sido um humorista.
Nas votações no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil tem votado pela condenação à Russia. Mas a verborragia do atual presidente e de seu antecessor confunde e torna a posição brasileira perante o mundo ambígua. Em relação a Lula, há ainda as despropositadas declarações que colocam Estados Unidos e Europa como incentivadores da continuidade dos combates pelo fato de estarem ajudando materialmente o país violentado contra outra nação com nítidas intenções expansionistas. A recepção em Brasília ao chanceler russo, Sergey Lavrov, entra nesse contexto. O enviado de Moscou afirmou que Rússia e Brasil têm percepções similares em relação aos recentes acontecimentos globais, sem qualquer reparo da parte brasileira à assertiva, o que ampliou o embaraço internacional.
A tradição diplomática brasileira, praticada com brilhantismo pelo Itamaraty ao longo da história, prima por pragmatismo, neutralidade, equidistância e não alinhamento. É uma forma de o país defender os seus interesses e obter benefícios em negociações a despeito de tensões ocasionais entre as maiores potências. O que ocorreu agora, porém, é que as sinalizações e colocações deram a entender que o Brasil aderiu às visões da China e da Rússia, em oposição a outros tradicionais aliados como os EUA e a Europa – que, com seus defeitos e virtudes, é preciso lembrar, são democracias, não sujeitas à mão de ferro de um regime ou de um déspota.
Lula transparece estar obstinado em ter participação em um processo de paz. É legítimo e até louvável, mesmo que ao fim seja algo que se mostre pretensioso demais ou ingênuo. Não há problema também em estreitar laços com outros países fora do Ocidente, como a China, maior parceiro comercial do Brasil. Pelo contrário, é algo natural e que deve ser buscado, em nome dos interesses do país. Mas ambos os movimentos prescindem de provocações a aliados históricos que, repita-se, são democracias como o Brasil.