O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi tem de ser o marco de uma virada de página definitiva sobre qualquer resquício de trabalho análogo à escravidão no setor. Como noticiado, as empresas se comprometeram a pagar R$ 7 milhões, sendo
O mais relevante, a partir de agora, é a observação dos compromissos por parte das vinícolas
R$ 2 milhões nos próximos 15 dias, parte que será dividida entre os 207 resgatados, a título de reparação, pelas situações degradantes e violências a que foram submetidos.
O TAC prevê ainda a adesão a 21 compromissos para aprimorar os sistemas de contratação de mão de obra na safra de uva e a fiscalização para atestar que os trabalhadores, em toda a cadeia, estão tendo seus direitos respeitados. As investigações prosseguem em relação à empresa agenciadora dos prestadores de serviço, apontada como a responsável pelas péssimas condições de trabalho e por maus-tratos, uma vez que seu proprietário ainda resiste em reconhecer as graves irregularidades flagradas. Espera-se que a investigação prossiga, com profundidade e rigor.
O mais relevante, agora, é a observação dos compromissos por parte das vinícolas de Bento Gonçalves envolvidas, mesmo que indiretamente, no lamentável caso, assim como a revisão de procedimentos em todas as demais indústrias do setor e nos elos do segmento vitivinícola da Serra. A prioridade é não deixar a mínima margem para que algo semelhante volte a acontecer.
Não há como negar: o episódio em si e algumas reações iniciais desastrosas arranharam a imagem das vinícolas, do segmento, da Serra e do próprio Rio Grande do Sul. A forma mais inteligente de contornar essa crise reputacional é admitir que o acontecimento existiu, foi grave, desculpar-se de forma sincera e arregaçar as mangas para aprimorar as práticas relacionadas à contratação de colaboradores, especialmente os terceirizados safristas. Ao que parece, é esta exatamente a intenção demonstrada por Salton, Aurora e Garibaldi. A atenção redobrada, com a garantia de condições de trabalho dignas, tem o potencial de, em um futuro próximo, tornar-se exemplar e ser, inclusive, um elemento a valorizar marcas e produtos.
A história da Serra é conhecida. Foi colonizada sobretudo por imigrantes italianos que saíram da Europa para escapar da miséria e da fome. Ao chegar, encontraram quase nada do apoio prometido, em uma zona inóspita, com mata fechada e terrenos íngremes. Mesmo assim, construíram com suor e dedicação uma das regiões mais industrializadas e prósperas do Brasil. Desta forma, tornou-se um orgulho para todos os gaúchos. Um dos símbolos desse sentimento é o setor vinícola, que cada vez mais conquista paladares e mercados pelo reconhecimento da evolução da qualidade dos vinhos e espumantes. Nada disso seria possível, porém, sem o trabalho, algo por isso mesmo sempre enaltecido na região.
As circunstâncias não são comparáveis, mas os baianos que chegaram a Bento Gonçalves também deixaram suas casas, mesmo que temporariamente, em busca de garantir uma vida menos sacrificada para suas famílias.
O que vieram entregar em troca foi a labuta. Não só por força da legislação, mas pela lembrança da epopeia e do esforço braçal dos antepassados pioneiros, toda forma de trabalho, exercida por qualquer cidadão, deve ser valorizada e ter garantias de ser executada de maneira digna. Essa, aliás, é a história da região, que, pelo crescimento de suas empresas ao longo das décadas, atraiu muita mão de obra, mesmo de outras partes do Estado. Com esses compromissos agora firmados, além das lições do episódio, é possível confiar que as providências estão sendo tomadas, situações do gênero não se repetirão e a Serra continuará a sua trajetória de progresso impulsionador do desenvolvimento do Rio Grande do Sul.