Por Leonardo Serrat de O. Ramos, advogado
No já fundamental livro Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, há um aprofundado estudo sobre o colapso das democracias atuais por meio da demonstração de que a escalada do autoritarismo ocorre pelo enfraquecimento constante, gradual e lento de normas políticas nem sempre visíveis, em oposição à ruptura violenta – e visível – que marcava os tradicionais golpes de Estado.
Em Porto Alegre, até o ano de 2017 havia um popular, descentralizado e autônomo carnaval de rua. Em 2018 começou a haver uma série de restrições para os blocos em diversos bairros, com o começo de seu deslocamento para a orla do Guaíba. E, por fim, com a pandemia, o Carnaval foi naturalmente suspenso.
Carnaval é festa, mas também é geração de riqueza distribuída
Chegamos a 2023 e não tivemos – nos dias de Carnaval – blocos de rua e nem desfile de escolas de samba. Teve resistência de poucos musicistas que se juntaram nas ruas para quebrar o silêncio no período mais festivo do país, numa recusa de estarmos fadados a ser a única capital onde não se pode brincar, dançar e ser feliz. Não houve edital público, publicidade pública, apoio logístico com banheiros químicos e limpeza: foi o Carnaval do não houve.
Alguém que tivesse vindo em 2017 e retornasse em 2023 ficaria chocado com a mudança. E, se procurasse saber a razão disso, não conseguiria ver qualquer grande ato administrativo ou lei capaz de explicá-la.
Isso porque a morte de nossa felicidade foi causada por uma série de omissões e microatos administrativos, irrelevantes quando isolados, mas que, em seu conjunto, foram virtuosos em seu objetivo de silenciamento e invisibilidade da nossa festa mais popular.
Carnaval é festa, mas também é geração de riqueza distribuída. Por aqui, entretanto, ato após ato a nossa busca pela felicidade vem sendo golpeada. Urge a construção de um novo consenso em que a alegria seja insistentemente valorizada por meio de políticas públicas e organização da sociedade civil. Ou nos restará o silêncio e a tristeza de quem, embora vivo, morto já está.