O Brasil subestimou o movimento golpista de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que ainda não se conformaram com a derrota eleitoral. Até ontem, os acampamentos de pessoas vestidas de verde e amarelo nas cercanias de prédios das Forças Armadas eram vistos com certo descaso até mesmo pelos novos ocupantes do poder, que registravam a gradativa desmobilização dos manifestantes. Basta lembrar que, na véspera do ataque, o próprio ministro Flávio Dino, da Justiça, disse que estava controlando as manifestações de forma coordenada com o governo local. Foi um grande equívoco: a invasão da Praça dos Três Poderes pela multidão que depredou o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal comprova que a democracia brasileira está realmente ameaçada e que o país precisará adotar medidas mais firmes para restabelecer a ordem pública e punir os terroristas disfarçados de patriotas.
Embora já tivessem protagonizado uma prévia do vandalismo desse domingo em 12 de dezembro, por ocasião da diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando promoveram depredações e incendiaram veículos, os golpistas só empreenderam a grande operação de ontem porque contaram com a leniência das forças de segurança do Distrito Federal. A criminosa omissão, da qual o governador Ibaneis Rocha não pode se eximir com um simples pedido de desculpas, possibilitou que manifestantes arregimentados em várias partes do país invadissem os prédios públicos sem encontrar qualquer resistência. E a intenção era destruir, pois alguns invasores portavam ferramentas de demolição.
O país precisará adotar medidas mais firmes para restabelecer a ordem pública e punir os terroristas disfarçados de patriotas
Alguns fatores relevantes estimulam os inimigos da democracia. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que acompanha à distância as ações violentas de seus apoiadores enquanto dá autógrafos em Orlando, é o primeiro responsável pelo que ocorreu, por sua conduta recorrente durante os quatro anos de mandato. Também estimula os baderneiros a conivência explícita de parcela importante das Forças Armadas, evidenciada na recusa de comandantes em transferir seus cargos para novos ocupantes e em prestar continência para o presidente legitimamente eleito. Pesa ainda em favor dos arruaceiros a negligência de parte das forças policiais, percebida facilmente em episódios em que agentes públicos confraternizam com os manifestantes que deveriam reprimir.
Não há outra classificação para estes maus brasileiros: são inimigos da democracia e, agora, passam a merecer a classificação de terroristas. Os autores da selvageria devem ser responsabilizados criminalmente por seus atos, assim como todos aqueles que os encorajam, estimulam e financiam.
Vandalismo não é liberdade de expressão, golpismo não é democracia. E crime – individual ou coletivo – tem que ser tratado de acordo com o Código Penal. Oposição democrática é outra coisa bem diferente. Ninguém é obrigado a concordar com os governantes nem pode ser impedido de criticá-los. Mas quem ataca as instituições também está atacando a democracia e o país. O Brasil viveu neste oito de janeiro o seu momento mais vergonhoso desde a redemocratização.
A multidão de bolsonaristas radicais repetiu de forma grotesca a invasão de adeptos do ex-presidente norte-americano Donald Trump ao Capitólio, razão pela qual o ex-mandatário está sendo devidamente responsabilizado.
O mínimo que se espera é que aqui ocorra o mesmo, para a democracia sair fortalecida. Mas também é desejável que o triste episódio sirva de alerta para as autoridades de todos os níveis da Federação desenvolverem ações preventivas mais eficientes contra vândalos, golpistas e criminosos que usam a bandeira nacional como escudo.