Mesmo com o encarecimento inesperado do preço dos fertilizantes devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, o Rio Grande do Sul alcançou um recorde histórico na produção de trigo em 2022, com a safra de inverno estimada pela Emater em mais de 4,97 milhões de toneladas de grãos. Foi também a maior entre os Estados produtores no país, superando o então líder, Paraná, que teve problemas com excesso de umidade. Os resultados exatos da colheita e da produtividade ainda estão sendo apurados junto aos produtores gaúchos, mas já se sabe que a área cultivada alcançou 1,45 milhão de hectares, a maior em 42 anos.
O milagre do trigo não vem do céu, ainda que o clima realmente tenha favorecido a cultura. Vem de um conjunto de fatores que começa pela ampliação da área cultivada, passa pelo planejamento inteligente e inclui muita tecnologia, com melhorias genéticas que efetivamente aumentaram a qualidade dos grãos. Tudo isso, evidentemente, promovido pelo trabalho incansável dos produtores rio-grandenses, com a assessoria técnica da Emater e a atenção do governo do Estado e das entidades ligadas ao setor rural. Um exemplo desse mutirão foi o programa Duas Safras, lançado em abril numa realização conjunta de Farsul, Senar-RS, Embrapa, ABPA, Fecoagro/RS, Asgav e Federarroz, com apoio do governador, de parlamentares e lideranças do agronegócio. O milagre, portanto, também se chama trabalho coletivo.
O Estado tem motivos para celebrar a boa safra, mas precisa manter o olhar no futuro
O Estado tem motivos para celebrar a boa safra, mas precisa manter o olhar no futuro. Como bem alertou o presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, em recente entrevista a este jornal, há um novo horizonte de oportunidades que precisa ser aproveitado. Na sua visão, a valorização do cereal ampliou as opções do trigo para panificação, fabricação de ração, exportação e também para a produção de etanol. E a próxima safra deverá ter custo menor do que a atual. São perspectivas promissoras para uma expansão ainda maior do cultivo do trigo no território gaúcho.
A escassez de alimentos no mundo continua sendo uma oportunidade para o Brasil assumir protagonismo ainda maior no suprimento da demanda por grãos. O cultivo do trigo está orientado para esse propósito, como ficou definido na conclusão do último Fórum Nacional do Trigo, realizado no Distrito Federal, em junho do ano passado. Para isso, o país precisa aliar tecnologia, produtividade e sustentabilidade ambiental – fatores que os produtores rurais gaúchos vêm perseguindo com denodo e consciência.
Ainda há muito o que fazer. Mas a colheita recorde do último ano pode – e deve – servir de modelo para outras culturas que não alcançaram resultados satisfatórios e que ainda dependem mais das condições climáticas do que dessa visão ousada e científica dos produtores de trigo no Rio Grande do Sul. Como diz poeticamente o cantor Milton Nascimento na sua canção emblemática O Cio da Terra, será sempre um trabalho sublime este de “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo, forjar no trigo o milagre do pão – e se fartar de pão”.