Ainda que tenha sido exitosa nos seus propósitos de reafirmar a liderança política do Brasil na América Latina e de reforçar a integração regional, a recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina e ao Uruguai, especialmente sua participação na reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), deixou a desejar como defesa da democracia no continente.
Não há soberania quando governantes tentam se perpetuar no poder, cerceiam a liberdade de expressão e perseguem opositores
Eleito para o seu terceiro mandato no comando do país mais influente da região graças à frente democrática que rejeitou o viés golpista de seu antecessor, Lula bem poderia ter aproveitado o momento de visibilidade internacional para ao menos manifestar discordância com as violações de direitos humanos, as perseguições políticas e a supressão de liberdades em países da órbita latino-americana, como Venezuela, Cuba e Nicarágua. Mas, sob o pretexto de respeitar à soberania das referidas nações, preferiu silenciar para não desagradar à esquerda mais radical. Ora, não há soberania quando governantes tentam se perpetuar no poder, cerceiam a liberdade de expressão, perseguem opositores e promovem o êxodo de seus povos.
Se realmente pretende exercer influência e liderança no continente, o presidente brasileiro não pode deixar a democracia em segundo plano em momento algum, especialmente quando se relaciona com seus congêneres continentais. Ao legitimar ditadores, inclusive com a promessa de apoio político e ajuda financeira, Lula frustra a maioria democrata da população brasileira e desconsidera parcela expressiva de eleitores que votaram nele apenas por rejeição à truculência de seu oponente.
Outro aspecto preocupante da recente excursão do presidente brasileiro aos países vizinhos foi o seu discurso de mecenas continental. Lula ofereceu BNDES para financiar obras na Argentina e no Uruguai, ressuscitando temores de que o banco público brasileiro volte a servir de instrumento para negociatas políticas e para a corrupção, como ocorreu em passado não muito distante com o metrô de Caracas, o porto de Havana, com o aeroporto de Moçambique e com hidrelétricas no Equador e na Nicarágua. Foram parcerias desastradas que resultaram nas suspeitas que abalaram anteriores administrações petistas.
Depois de tudo o que passou por conta da Operação Lava-Jato, era de se esperar que o mandatário brasileiro pensasse melhor antes de assumir tais compromissos, até mesmo para manter o BNDES focado nas demandas nacionais. O banco público, vale lembrar, tem sido alvo de sucessivas investigações em decorrência de créditos concedidos a estrangeiros sem a observância de critérios de prevenção de riscos e sem a fiscalização devida. São erros que o terceiro governo de Lula não pode repetir.
Com sua imensa bagagem política, sua habilidade de negociador e o respaldo momentâneo da maioria do eleitorado brasileiro, Lula tem todas as condições de impor sua liderança no continente sem esbanjar recursos que fazem falta ao nosso país. Também não precisa – e nem deve – mostrar tanta condescendência com ditadores, independentemente da ideologia que professem. Pelas circunstâncias de sua reabilitação política e pelo novo voto de confiança que a maioria da população lhe está dando, é ao Brasil democrático que ele deve fidelidade e respeito.