Com sucessivos cortes orçamentários para cumprir o dispositivo constitucional do teto de gastos, o Ministério da Economia está provocando pânico na rede federal de Ensino Superior, nos hospitais federais e nos milhares de servidores e fornecedores dessas instituições, que estão ameaçados de atraso nos créditos a que têm direito. O contingenciamento geral bloqueia recursos necessários para o pagamento de contratos de prestação de serviço, materiais, bolsas de estudo e até mesmo despesas de luz, água, vigilância e limpeza.
O irônico da suspensão dos repasses é que ocorre exatamente quando o governo bate recordes de arrecadação e alcança o primeiro superávit primário desde 2013. Por que, então, isso está ocorrendo? Simplesmente por afrouxamento na responsabilidade fiscal e no crescimento desmesurado dos gastos públicos. Ainda que se considere que a pandemia do coronavírus exigiu gastos imprevistos, como o pagamento de auxílio emergencial para trabalhadores afetados pela paralisação das atividades, o descontrole é inadmissível.
O subterfúgio encontrado pela classe política também evidencia a inapetência dos nossos gestores para controlar os gastos públicos
Embora a questão esteja sendo debatida no Congresso Nacional e se encaminhe para o célebre jeitinho brasileiro de ignorar a legislação, é importante esclarecer que o teto de gastos não pode ser considerado vilão nesta história. Pelo contrário, foi criado no governo do presidente Michel Temer, em 2016, como uma tentativa econômica de manter controladas as contas públicas do país e de possibilitar redução na taxa básica de juros da economia. Com a anuência do Congresso, levou-se para a legislação a convicção de que os juros menores permitem mais investimentos na economia, o que gera crescimento e empregos. Em consequência, pela legislação aprovada, os órgãos da União que extrapolam os limites de gastos ficam sujeitos a punições como a proibição de elevar salários de servidores no ano seguinte, de criar novos cargos e de reestruturar planos de carreira.
A PEC da Transição, em vias de aprovação no Congresso, fura o teto de gastos para que o governo possa honrar seu compromisso com o Auxílio Brasil, que não estava previsto na proposta orçamentária para 2023. Ao mesmo tempo que assegura tranquilidade para o início do governo Lula, pode também salvar o final do governo Bolsonaro de um desastre nas contas públicas.
Mas o subterfúgio encontrado pela classe política também evidencia a inapetência dos nossos gestores para controlar os gastos públicos. Sempre que o nó aperta, busca-se um recurso criativo: em 2019, uma proposta de emenda constitucional (PEC) instituiu a divisão entre União e Estados de parte dos recursos de exploração de petróleo, para o pagamento da chamada “cessão onerosa”. Em 2020, a PEC emergencial mudou regras do teto para permitir o pagamento do Auxílio Emergencial. No ano passado, tivemos a PEC do Auxílio Brasil e a PEC dos Precatórios, ambas elaboradas para desconsiderar o teto.
No momento em que o país enfrenta o dilema dos pagamentos atrasados, conjugado com a transição de governo, a lei do teto de gastos parece ser o incômodo. Porém, o verdadeiro problema é outro: governantes e administradores públicos que ignoram que o mais elementar preceito da boa gestão é gastar menos do que se arrecada.