Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Em sociedade desiguais, os mais pobres sofrem consideravelmente mais as agruras das crises, que tem como a mais sintomática manifestação a redução da renda. O boletim trimestral Desigualdade na Metrópoles, elaborado pelo Observatório das Metrópoles, vem destacando o acentuado desequilíbrio na distribuição de renda no país e a sua dinâmica. E a partir dos dados do último boletim, recém lançado, gostaria de levantar dois pontos.
Comecemos pelos números crus. Ao longo de 2021 a desigualdade diminuiu, depois de atingir um pico histórico em meados de 2020. Esta melhora no último ano se explica pela recuperação parcial da renda dos mais pobres, associada a uma continuidade na queda da renda média dos mais ricos. Ainda que seja um resultado na direção correta da redistribuição, é preciso considerar que o último dado aponta que a renda média dos 10% mais ricos é mais de 30 vezes superior à média da renda dos 40% mais pobres – no começo de 2021 chegou a 37 vezes; em 2012 era 21 vezes.
O primeiro ponto que gostaria de destacar, então, é sobre a recuperação da renda dos mais pobres. Sim, houve melhora. Mas, ela ainda é modesta e os deixa em situação pior do que no período pré-pandemia. Esta melhora me parece mais um movimento de ajuste, com base na retomada de setores até então em crise, do que um movimento de recuperação consistente. No mercado de trabalho, o que se observa é alguma retomada baseada na informalidade e no trabalho por conta própria, que tendem a ser mais precários que os empregos formais a pagar menos.
Não estamos observando ganhos de produtividade e/ou reorganização da força de trabalho que possa apontar nessa direção
Meu segundo ponto parte da problematização do primeiro. Nada estrutural está acontecendo na economia brasileira que possa sugerir um aumento robusto e sustentado de renda dos mais pobres – e eventual redução da desigualdade. Não estamos observando ganhos de produtividade e/ou reorganização da força de trabalho que possa apontar nessa direção. Antes pelo contrário, existem condições (mas esse é assunto para outra coluna) que constrangem os ganhos de produtividade.
Portanto, a atual conjuntura da renda das famílias mais pobres no Brasil é crítica. Associe a renda deprimida à inflação alta e temos um cenário bastante preocupante de perda de poder aquisitivo, que se manifesta em uma brutal perda de bem-estar da população. Na minha avaliação, retomada ainda não é uma palavra adequada à situação que vivemos.