Meu pai sonhava com isso: morar na praia ao se aposentar. E olha que, naquela época, qualquer praia se tornava um verdadeiro deserto fora de temporada. Mas ele não se assustava com a falta de gente e de movimento (nós, sim). Era uma utopia. Assim que o Dr. Reggiani pendurasse as chuteiras, o consultório de ortodontia, o centro da cidade, os adorados pacientes, tudo ficaria pra trás. O Imbé seria seu novo paradeiro.
As reviravoltas da vida fizeram esse sonho acabar (ou o impediram de seguir sonhando). A casa da família no Imbé foi vendida. Anos depois, antes de adoecer, o pai foi só uma vez até a praia conhecer a minha casa recém comprada em Xangri-lá.
Apenas um bate-volta, já que estávamos terminando de arrumar tudo. O que ele acharia da rotina praiana em condomínio? A segurança de frequentar inverno e verão, poder dormir sem chavear a porta, tantos vizinhos pra conversar, as atrações nos finais de semana, o ônibus pra levar até a beira-mar, os guarda-sóis e cadeiras à disposição dos moradores. Aposto que o pai iria amar. Saberia o nome de todos, não daria uma volta completa ao redor do lago sem parar mil vezes pra assuntar. No Imbé, buzinava e abanava até pros desconhecidos. E recebia abanos de volta (praticamente um vereador).
O litoral cresceu, se estruturou e cada vez mais oferece oportunidades de emprego pra pessoas de diversas idades e profissões. Com a pandemia, o sonho de morar na praia foi definitivamente ressignificado. Pra que mudar de emprego ou esperar se aposentar, se está comprovado que muitos podem trabalhar remotamente e serem igualmente produtivos? Nossa casinha na praia ajudou em algo imprescindível nos últimos dois anos: manter a sanidade mental. Arejar pulmões e ideias. Também fez nascer a vontade de morar perto do mar. Quem diria, hein, pai? E com uma dose extra de aventura.
A partir de fevereiro, vamos começar a construir uma nova casa pra morar o máximo de tempo possível na praia. Com espaço e conforto pra acomodar melhor a família, seja pra trabalhar ou relaxar. Mais uma vez, vou escolher cada pedacinho de tudo. A diferença será testemunhar uma casa surgindo do zero. Até dezembro, vou me especializar em fundações, esquadrias, telhados, fiações, acabamentos e rezar pra que baixe o preço do cimento (e de todo o resto). Minha experiência na área se resume ao jogo Pequeno Construtor e às paredes de Lego erguidas com meus filhos. Mas estamos muito bem acompanhados por quem entende do assunto. Só tem uma coisa que vai ser impossível realizar: meu pai vivendo esse sonho com a gente.