É meritória e oportuna a iniciativa de oito entidades gaúchas que se uniram na quinta-feira para uma mobilização com o intuito de estimular a doação de órgãos no Estado. Sabe-se que é um tema sensível para se falar em família. Afinal, não há quem, gozando de boa higidez, imagine ou espere que algo mais drástico possa acontecer consigo ou com alguém do círculo mais íntimo de afeto. Mesmo assim, é necessário conversar. Quem tem este desejo de, em caso de qualquer fatalidade, ajudar outras pessoas a recuperar parte da saúde ou a viver, tem hoje de deixar clara a vontade. Pela legislação vigente no país, é da família a decisão de doar.
O momento para amplificar a conscientização é oportuno também pelo fato de os hospitais não estarem mais tão pressionados pela covid-19
A campanha Diga Sim à Doação de Órgãos teve a participação da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Tribunal de Justiça (TJ-RS), Assembleia, Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul(OAB-RS), Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) e a ONG De Ponto a Vírgula. De acordo com participantes da iniciativa, apenas no primeiro semestre, 40% das famílias consultadas não autorizaram a doação de órgãos. Muitas vezes, por desconhecer a vontade de quem partiu. Mais uma evidência de que o tema não deve ser um tabu e tem de ser encarado com naturalidade.
Existem hoje, no Rio Grande do Sul, mais de 2 mil pessoas à espera de um transplante. O momento para amplificar a conscientização é este também pelo fato de os hospitais não estarem mais tão pressionados pela covid-19. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) indicavam queda de 30% nas cirurgias desse tipo nos momentos mais dramáticos da pandemia, especialmente entre o segundo semestre de 2020 e a primeira metade deste ano. Foi quando, em decorrência da mobilização da crise sanitária, os hospitais tiveram de disponibilizar mais recursos humanos e estrutura para atender pacientes com o novo coronavírus. No Estado, de janeiro a agosto foram registrados 253 procedimentos, 35% abaixo do mesmo período de 2020.
Também existem relatos de familiares de doadores que se sentiram de certa forma mais confortados pelo ato. Ou seja, mesmo ainda em meio à dor da perda do ente querido, há o consolo de que os órgãos, ao fim, ajudaram outras pessoas a recuperar a qualidade de vida ou devolveram a esperança de viver. Potencialmente, um doador falecido pode ajudar até oito pacientes com coração, pulmão, fígado, rins, pâncreas, córneas, intestino, pele, ossos e válvulas cardíacas. Existe ainda a possibilidade de doações em vida de órgãos como rim, quando não se coloca a própria saúde em risco, ou medula óssea, quando há compatibilidade. Mas, no caso da morte encefálica do potencial doador, a decisão final passa pela família.
Um facilitador é o projeto Doar é Legal, do Judiciário gaúcho. No endereço eletrônico doarelegal.tjrs.jus.br é possível expedir uma espécie de certidão em que se atesta a vontade de ser um doador. Não tem validade jurídica, é verdade, mas pode ser impresso e mostrado, reforçando a intenção. Tramita ainda, há quase dois anos e meio, no Congresso proposta do senador Lasier Martins que abre a possibilidade de que esta autorização familiar seja imprescindível somente quando o potencial doador, em vida, não tiver exposto a sua vontade de maneira clara e apropriada a respeito. Espera-se que a proposição avance. Mas, até lá, comunicar a disposição a pais, filhos, irmãos e cônjuges e demais pessoas mais próximas com ligação sanguínea permanece vital.
Se foi possível obter melhores indicadores na área, com impacto na vida real, é preciso acreditar que se possa também melhorar o desempenho na educação e na saúde