A pandemia que tirou a vida de mais de 600 mil brasileiros e deixou milhões de sequelados também vai legando ao Brasil o agravamento das chagas da pobreza e da desigualdade. Os estratos vulneráveis da população foram os que mais perderam renda e as crianças dessas famílias as mais prejudicadas no ensino, tanto pelo fechamento das escolas quanto pelas dificuldades materiais e de conectividade para estudar de maneira remota. Trata-se de uma verdadeira tragédia, pela constatação de que o déficit de aprendizagem, somado à evasão, arrisca produzir uma massa de adultos menos capacitados e candidatos a ocupações mal remuneradas ou ao subemprego. Ou seja, paira a ameaça de um círculo nefasto realimentado por uma crise geracional.
A consequência de uma educação deficiente se converte, no futuro, em baixa produtividade do trabalho e limitações na capacidade de empreender
Um diagnóstico preciso desse flagelo foi traçado pelo professor do Insper e pesquisador Ricardo Paes de Barros, em entrevista conduzida pela colunista Rosane de Oliveira e pelo repórter Paulo Egídio, publicada no caderno DOC. Além de ser coordenador da cátedra do Instituto Ayrton Senna, Paes de Barros tem a credencial de ser um dos criadores do Bolsa Família, exitoso programa de transferência de renda que, a partir dos anos 2000, retirou milhões de brasileiros da extrema pobreza e fez o Brasil sair do chamado Mapa da Fome. Além da descrição acurada do desafio à frente, aponta quais devem ser as linhas gerais de ação para que o país possa reverter uma situação que já é desafiadora, como mostram os números do desemprego e se constata no dia a dia das maiores cidades, com o aumento dos pedintes e de moradores de rua. Eis alguém que, pelos serviços já prestados e por pesquisas na área, deveria ser mais ouvido pelos formuladores de políticas públicas se a intenção for alcançar os melhores resultados possíveis.
Há, por parte do governo federal, a intenção de criar o chamado Auxílio Brasil, para substituir o Bolsa Família. Paes de Barros sugere uma estratégia lógica. É em nível municipal e nas comunidades carentes que deve ser feita a triagem dos beneficiários. A proximidade da realidade de cada família permite identificar com exatidão quem são os mais necessitados e, para isso, os Centros de Referência em Assistência Social (Cras) podem ser o instrumento ideal para essa calibragem, com uma alocação mais adequada dos recursos públicos. A descentralização faz todo o sentido, mas resta a dúvida se o desejo de imprimir uma paternidade clara ao programa, por interesses meramente eleitoreiros, pode se sobrepor à racionalidade. Por enquanto, como mostram as indefinições quanto à fonte de financiamento, sobra atabalhoamento.
A outra constatação de Paes de Barros é a de que será necessário empreender um imenso esforço para recuperar a defasagem no aprendizado, desde os prejuízos na alfabetização até as perdas observadas em alunos que estão terminando o Ensino Médio, assim como incentivar o retorno à escola de quem se evadiu. O Brasil já ostenta a infeliz marca de um dos países mais desiguais do mundo. Diminuir o abismo que se abriu ainda mais entre colégios privados e públicos se impõe.
Não se trata de ideologia, mas de um raciocínio capitalista de inserção de mais pessoas no mercado de consumo. A consequência de uma educação deficiente se converte, no futuro, em baixa produtividade do trabalho e limitações na capacidade de empreender. Ao fim, resulta em potencial menor de crescimento da economia, uma corrida em que o Brasil aparece como retardatário, e na perpetuação dos problemas sociais – inclusive nos números da criminalidade. As esperanças residem também na certeza de Paes de Barros de que, se existir um amplo engajamento do poder público, da sociedade e dos educadores, esta recuperação é plenamente possível.