Em nome da transparência que precisa pautar a administração pública, devem ser investigados a fundo e esclarecidos todos os detalhes e pontos obscuros da negociação que envolve a aquisição pelo governo federal da vacina indiana Covaxin, fabricada pela Bharat Biotech. As tratativas em torno do imunizante tiveram uma série de pontos que fugiram ao usual, conforme o observado nos contratos com os outros laboratórios. Há, além disso, o grave relato de um servidor do Ministério da Saúde que, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), disse ter sido pressionado para agilizar os trâmites que envolviam a compra, deixando de observar normas existentes. Cioso de sua responsabilidade, resistiu e expôs a situação.
A politização do caso também é inoportuna, mas é imprescindível jogar luz sobre os fatos e conhecer as condutas dos envolvidos
É estranha a agilidade que o governo imprimiu às negociações com a Covaxin, diante da lentidão predominante nas negociações com os demais fornecedores de vacinas, sobretudo a Pfizer, empresa de grande credibilidade e reconhecida pela qualidade de seus produtos. A questão dos preços, da mesma forma, é intrigante e necessita ser aclarada. Documentos do Ministério das Relações Exteriores indicam que o valor da dose seria 1.000% superior ao sugerido pelo próprio laboratório seis meses antes. Era a mais cara entre as oferecidas ao país e sequer estava aprovada para uso pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Chama ainda atenção o fato de ter sido a única tratativa que tinha um intermediário. Ou seja, os contatos não ocorriam diretamente entre o governo federal e a fabricante indiana, mas passavam por uma empresa brasileira, cujos sócios são os mesmos de outra companhia envolvida em um negociação que causou prejuízos milionários aos cofres públicos.
Soube-se agora que um deputado federal, irmão do servidor pressionado por um superior, avisou o presidente Jair Bolsonaro do ocorrido. O mandatário da República teria prometido mandar a Polícia Federal investigar o caso, e se espera que o presidente demonstre que iniciativas tomou a partir das informações a ele levadas. Tão incorreto quanto prejulgar é não investigar. O MPF viu indícios de sérias irregularidades e pediu uma apuração em âmbito criminal. A CPI da Covid também vai se debruçar sobre o episódio.
Mesmo que o pagamento, conforme o Ministério da Saúde, ainda não tenha sido efetivado, sempre que há recurso público envolvido é preciso transparência máxima e fiscalização dos órgãos de controle, para que quaisquer dúvidas sejam dirimidas e os cidadão saibam que o dinheiro de seus impostos é bem empregado, ainda mais quando à frente está o combate a um mal que já vitimou mais de 500 mil brasileiros. Não são recomendadas conclusões precipitadas. A politização do caso também é inoportuna. Mas é imprescindível jogar luz sobre os fatos e conhecer as condutas dos envolvidos, até para que, após o fim das investigações, chegue-se a conclusões solidamente embasadas. Acima das disputas políticas, deve pairar o respeito aos ritos legais para um esclarecimento pleno do que verdadeiramente ocorreu.