Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Em dezembro de 2018, escrevi aqui na coluna sobre a Chainlink, uma startup capaz de refletir em contratos digitais fenômenos do mundo real. Por exemplo, se você precisar criar um contrato ou produto financeiro que tenha como parâmetro a quantidade de chuva numa determinada região, você pode usar essa solução tecnológica, e ter esse parâmetro monitorado coletivamente por milhares de verificadores. Esse é um trabalho essencial na tarefa de democratizar o acesso às proteções financeiras que hoje estão disponíveis apenas para pessoas de altíssimo patrimônio. Por enquanto, a tecnologia vem sendo usada principalmente por provedores de produtos de investimento, crédito e seguros focados em clientes geeks, o que ainda a coloca em um universo restrito.
Entretanto, está previsto para março o lançamento da plataforma nova-iorquina Kalshi, que vai permitir a qualquer pessoa apostar no desfecho de eventos: teremos Jogos Olímpicos este ano? O número de dias quentes em Los Angeles neste ano vai ser maior que no ano passado?
Até então existiam plataformas de apostas, mas não com esse nível de amplitude temática, nem reguladas de forma tão sólida em um grande mercado, nesse caso os EUA.
O desenvolvimento desse mercado digital de apostas é essencial no mundo complexo em que vivemos. Isso porque cada um de nós está exposto a riscos muito específicos: climáticos, biológicos, tecnológicos. Por exemplo, se boa parte do meu patrimônio está em uma praia, posso apostar na subida do mar para atenuar minhas perdas caso ela aconteça. Se tenho uma propensão genética a uma determinada comorbidade com algum vírus, posso apostar no crescimento dele para assegurar meu tratamento. Se minha atividade profissional é ameaçada por uma tecnologia emergente, posso investir nela.
Até então existiam plataformas de apostas, mas não com esse nível de amplitude temática, nem reguladas de forma tão sólida em um grande mercado
A beleza dessa nova possibilidade não está apenas no acesso à mitigação de riscos, mas também no aprendizado que esse tipo de plataforma gera. As pessoas vão conversar para tentar prever o futuro, refletir sobre o porquê de terem errado, e nessas conversas vão desafiar seus modelos mentais. Esse tipo de mercado materializa de uma vez por todas a utilidade do pensamento sistêmico e da modelagem computacional que é necessária para superar a racionalidade limitada de cada ser humano. E, ironicamente, prevejo que vai soterrar a ideia de “algoritmos preditivos” baseados em correlações e grandes dados, visto que prever sem compreender só funciona no curtíssimo prazo e desde que as coisas não mudem demais. Com mais gente ativamente refletindo sobre riscos, esses algoritmos vão ficar ainda menos poderosos, e a atividade de pensar o mundo vai ser mais bem recompensada financeiramente. Essa é uma das grandes batalhas da contemporaneidade: humanidade versus caixas pretas que tomam decisões.