Se alguém ainda não compreendeu o quadro dramático de esgotamento da capacidade de atendimento a pacientes com covid-19 em situação grave em muitas cidades do Estado, deve buscar assistir ao pungente relato da médica intensivista Thais Buttello, ontem, no Jornal do Almoço, da RBS TV. Em entrevista a Cristina Ranzolin, Thais revelou que, nos últimos dias, tem sido rotina no Hospital de Clínicas de Porto Alegre a dolorosa decisão de escolher quem, em pior situação, será internado em uma unidade de tratamento intensivo (UTI). Enfermos com idade mais avançada ou com comorbidades, que poderiam ter tratamento adequado em uma situação sob controle, acabam sendo preteridos, com chances ainda menores de voltar para suas famílias. A prioridade é de quem tem melhores condições de se recuperar. Emocionada, Thais contou ter ligado para sua mãe, de 77 anos, e pedido para ela não sair de casa. "Se tu ficares doente, não tem UTI pra ti."
Foi o que fez de forma correta ontem o governador Eduardo Leite, ao suspender por nove dias a cogestão
Gestores hospitalares e profissionais da saúde como Thais, que estão há quase um ano diariamente atendendo pacientes com covid-19 já fizeram alertas suficientes para que governantes e população compreendam a gravidade da situação atual: hoje, no Rio Grande do Sul, já é preciso escolher quem terá a sorte de contar com amparo adequado em uma UTI para sobreviver ao novo coronavírus.
Era inadiável, portanto, uma resposta firme e capaz de reduzir de forma drástica a circulação de pessoas em todo o Estado. Foi o que fez de forma correta ontem o governador Eduardo Leite, ao suspender por nove dias a cogestão, possibilidade de prefeituras adotarem restrições mais brandas, e anunciar que todo o Rio Grande do Sul terá de seguir a partir de amanhã os protocolos da bandeira preta do sistema de distanciamento controlado elaborado pelo Piratini. Espera-se que prefeitos e demais lideranças contrárias à medida entendam o momento e não se insurjam contra as determinações do governo gaúcho. É urgente frear a aceleração dos contágios e, para isso, é essencial uma ampla adesão às medidas que restringem as atividades de maneira mais ampla.
A quantidade de novos casos, internações em leitos clínicos e em UTIs não para de crescer de forma assustadora, levando o Rio Grande do Sul a uma situação-limite. Tentar aumentar a estrutura de atendimento não será suficiente para acompanhar o ritmo acelerado de disseminação da covid-19 e de casos com piora rápida do estado clínico. Faltam equipamentos e recursos humanos para as UTIs, por exemplo.
É equivocado confundir as medidas previstas na bandeira preta com um verdadeiro lockdown, adotado em alguns países, mas não em qualquer parte do país até hoje. Compreende-se a preocupação com a economia após um 2020 duro, mas tornou-se indispensável lançar mão de ações mais efetivas para diminuir a circulação de pessoas. Para os prefeitos, uma lembrança: a realidade, infelizmente, mudou em relação ao cenário pré-eleitoral, no último trimestre do ano passado. Não é possível manter-se preso a promessas de campanha. Não há justificativa para fechar os olhos para os fatos.
Junto às medidas, é preciso reforçar a comunicação com a população para que faça apenas os deslocamentos inadiáveis, evite aglomerações e use máscara sempre e de forma correta. Tanto quanto imposições e fiscalização de eventuais desrespeitos a normas, funcionarão os esforços que conseguirem a adesão espontânea da sociedade, compreensiva da dramaticidade do quadro atual e do possível agravamento nas próximas semanas, quando o resultado das irresponsabilidades do Carnaval começar a chegar aos hospitais. O Rio Grande do Sul chega a um momento que requer máxima atenção. Com vacinas em volumes insuficientes, só será possível conter a tragédia que se anuncia com ação adequada dos gestores públicos e o apoio maciço de entidades e da população.