O episódio envolvendo o deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), preso desde a semana passada por ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à própria instituição e à democracia, fez a Câmara reinstalar às pressas ontem o seu Conselho de Ética, desativado desde o início da pandemia. Aguarda-se que, com a iniciativa, a Casa dê uma reviravolta na omissão dos últimos meses em analisar e julgar comportamentos, atitudes e até eventuais crimes de parlamentares. O caso mais escandaloso no momento é o da deputada Flordelis (PSD-RJ), ré por supostamente ser a mandante do assassinato de seu marido. De tornozeleira, Flordelis seguia circulando pelo Congresso, apta a formular leis e a votar matérias importantes para o país por ter imunidade parlamentar. Ontem, a Justiça do Rio decidiu pelo afastamento da deputada do cargo, mas a determinação ainda terá de passar pelo plenário da Câmara.
Se fossem céleres e não demonstrassem condescendência demasiada com seus iguais, deputados e senadores reforçariam a independência do Congresso
Outra situação constrangedora que precisa de uma pronta resposta de seus pares é a do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado em outubro do ano passado com R$ 33 mil escondidos na cueca. O dinheiro, segundo a Polícia Federal, teria sido desviado do combate à pandemia. Rodrigues tirou licença logo após o episódio, mas voltou a Brasília na semana passada. Reassumiu naturalmente suas funções, sem dar formalmente qualquer explicação aos colegas, que também não fizeram grande esforço para avaliar sua conduta. O Conselho de Ética do Senado se reuniu pela última vez em setembro de 2019 e, até agora, não há nenhum procedimento instalado para apurar as acusações contra o senador. Se a Casa zela por sua imagem, deve imediatamente dar início ao devido processo interno para averiguar o caso e, se for comprovado o desvio, até cassar o mandato de Rodrigues.
O espírito de corpo muitas vezes injustificável é uma das razões de o Congresso, instituição basilar da democracia, seguidamente ser visto com certa desconfiança pela população. Em relação à Câmara, desde 2002 foram quase duas centenas de representações avaliadas pelo Conselho de Ética, as quais em apenas sete oportunidades levaram à perda de mandato. Além de em regra as penas serem brandas, os casos costumam se desenrolar com extrema lentidão, como se o tempo e o surgimento de novos escândalos fossem aliados para esfriar a pressão da opinião pública. Acusado do desvio de recurso de obras para mitigar efeitos da seca, o deputado Wilson Santiago (PTB-PB) tem, por exemplo, o seu processo há mais de um ano dormitando.
As omissões e a resistência à essencial tarefa da autodepuração no Congresso levam a situações que forçam a interferência de outros poderes, principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF). São atritos que seriam dispensáveis se deputados e senadores agissem conforme o esperado pela sociedade, de acordo com os seus deveres, com o regimento e em nome da moralidade. Se fossem céleres e não demonstrassem condescendência demasiada com seus iguais, deputados e senadores reforçariam a independência do Congresso e melhorariam a imagem do parlamento. Espera-se que agora os membros do Conselho de Ética da Câmara examinem de maneira rigorosa e diligente os casos de Flordelis e Silveira e, após amplo espaço para a defesa, decidam de acordo com as evidências existentes e, sem acomodações ou conchavos, apliquem as devidas punições.