Visto isoladamente, o crescimento de 7,7% do PIB brasileiro no terceiro trimestre poderia dar a sensação de um retorno da atividade em V, como repete exaustivamente o ministro da Economia, Paulo Guedes. Significaria uma forte retração, seguida de uma recuperação rápida em nível semelhante. É verdade que setores como comércio e indústria avançam nos últimos meses em velocidade acima das previsões que existiam logo no início da pandemia, mas é preciso analisar as razões que levaram a esta alta recente surpreendente e perscrutar o cenário à frente para se chegar a uma conclusão sobre se no horizonte há mais motivos para otimismo ou ceticismo. As informações disponíveis indicam mais dúvidas do que certezas.
Ao menos se sabe que as alternativas que poderão injetar novo otimismo estão ao alcance do governo e do presidente
Em primeiro lugar, a alta de 7,7% sobre os três meses imediatamente anteriores veio inferior ao esperado pelo mercado e está longe de compensar o tombo de 9,6% no segundo trimestre, conforme os dados do IBGE. No ano, a retração do PIB acumulada é de 5% – mesmo assim, um quadro menos sombrio do que o pintado na época da irrupção da covid-19. Sabe-se que o salto na economia de julho a setembro se deveu em grande parte ao estímulo do auxílio emergencial, um enorme esforço que evitou uma derrocada ainda mais dramática da economia. Mais de 60 milhões de brasileiros receberam a quantia de R$ 600, renda extraordinária que muitos dos beneficiários nunca tiveram na vida. Pelas limitações fiscais do governo, este valor foi cortado pela metade e acaba agora no final do ano, sem que se saiba se virá algo no lugar, mesmo em montante ainda menor. Ou seja, milhões de pessoas foram resgatadas de forma fugaz da pobreza extrema e, em breve, estarão retornando a ela.
Outro ponto essencial a ser considerado é o desemprego. A taxa de desocupação no terceiro trimestre subiu para 14,6%. São 14,1 milhões de indivíduos sem trabalho e os índices tendem a aumentar nos próximos meses, com o fim do auxílio emergencial. O governo federal comemora os números do Caged, de vagas formais, mas especialistas alertam que, nos primeiros meses da pandemia, um grande número de empresas teria deixado de informar seus dados e, portanto, a quantidade de demissões seria ainda maior. Assim, o saldo negativo do ano seria na realidade ainda maior. Ao lado desse fator está o repique inflacionário, nos alimentos e agora na energia, situação que tende a corroer ainda mais a renda já escassa da população mais humilde.
O impacto do recrudescimento da pandemia na atividade é outra incógnita, tanto para o trimestre atual quanto para o início de 2021. A vacina virá, mas não se sabe exatamente quando. Tampouco em que ritmo caminhará a imunização. As reformas estruturais são outra fonte de incerteza. Avançarão ou seguirão empacadas diante da desarticulação do governo no Congresso e da falta de empenho pessoal do presidente Jair Bolsonaro? Novas tentações populistas visando elevar o gasto público virão à tona, com riscos à âncora do teto de gastos, ou o Planalto entenderá a importância de emitir sinais na direção da manutenção da responsabilidade fiscal? A opção de Bolsonaro e seu círculo ideológico será por manter a vocação para alimentar tensões inúteis internas e externas, ou haverá guinada rumo à moderação?
São perguntas difíceis de serem respondidas, mas um rápida revisitada no histórico recente do governo recomenda pôr as barbas de molho. Ao menos sabe-se que as alternativas que poderão injetar novo otimismo e ampliar as chances de uma recuperação mais robusta do PIB em 2021 estão ao alcance do governo e do presidente. Resta saber qual será o caminho a ser tomado nesta encruzilhada.