O presidente Jair Bolsonaro cedeu e finalmente tirou da gaveta a proposta da reforma administrativa, prometida desde o final do ano passado. Embora o texto tenha linhas gerais sensatas e responsáveis, como o fim das promoções automáticas apenas por tempo de serviço, veio com uma limitação que, no fim das contas, não terá os efeitos práticos que seriam indispensáveis no curto prazo, deixando de dar uma resposta à grave crise fiscal e à previsão de elevados déficits nos próximos anos.
Os atuais privilégios permanecem intocáveis e, assim, a reforma não gera economias no curto prazo
Ao encaminhar uma mudança que vale apenas para os futuros servidores, que ainda virão a ser admitidos, e não para os atuais, Bolsonaro deixou mais uma vez claro que, entre a modernização urgente do setor público e os segmentos corporativos barulhentos e que exercem grandes pressões no bastidores, optou novamente pelo segundo. Infelizmente não há surpresa. Bolsonaro agiu da mesma forma na reforma da Previdência, atuando especialmente a favor dos interesses de grupos que o ajudaram a se eleger sete vezes como deputado federal. O prometido ganho de produtividade dos recursos humanos do governo, a organização de despesas e a racionalização dos gastos, portanto, poderão ser benefícios percebidos apenas pelas próximas gerações. Os atuais privilégios permanecem intocáveis e, assim, a reforma não gera economia no curto prazo.
Faltou a ousadia necessária a Bolsonaro, que enviou para o Congresso uma proposta genérica e, mais uma vez, deixa para o parlamento a tarefa de lapidar o texto. Refém de interesses meramente eleitorais, lamentavelmente o presidente parece não se mover pela urgência gritante de tornar o setor público menos pesado para o contribuinte. Além da coragem para enfrentar grupos de interesse organizados, inexistem sinais firmes de comprometimento para articular e levar a fundo as reformas, a exemplo das aposentadorias e da questão tributária.
O próprio setor público é pródigo em injustiças. Há uma enorme quantidade de servidores de baixa renda, mas também existem castas que estão entre as oito das 10 categorias mais bem remuneradas do país. Da mesma forma, muitas carreiras têm salários iniciais acima de R$ 20 mil, valor impensável na iniciativa privada. Um estudo do Banco Mundial já mostrou que, no Brasil, os servidores federais, por exemplo, têm em média vencimentos 96% acima dos de trabalhadores de empresas privadas, mesmo ocupando cargos semelhantes, na mesma área de atuação. E quem paga é o contribuinte, muitas vezes recebendo em troca serviços de má qualidade. A estabilidade, outro ponto controverso, é necessária para algumas carreiras de Estado, mas cria um despropositado engessamento da gestão, dificulta a dispensa de maus servidores e gera sobreposição em funções. O texto elaborado pelo governo flexibiliza essas garantias, mas outra vez apenas para os futuros funcionários públicos.
Mas, mesmo que existam críticas e reparos à reforma pelo avanço modesto, é preciso reconhecer que ao menos vai na direção certa, ao prever pontos como novas regras para efetivação, acumulação de cargos, critérios mais rígidos para avaliação de desempenho, redução do número de carreiras e a previsão de corte de jornada com redução de salários. Mais lógica teria, entretanto, se seus efeitos se materializassem imediatamente. Como há o que aperfeiçoar, o parlamento deve novamente assumir as responsabilidades que o Planalto optou por terceirizar e emendar o projeto para que possa ser implementado e gerar benefícios para o país o quanto antes.