Foi correta e prudente a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de não permitir que o governo federal interfira e derrube decisões de Estados e municípios em relação a medidas destinadas a conter a disseminação do novo coronavírus. Foi acertada por pelo menos duas razões. A primeira porque, em um país de dimensões continentais como o Brasil, as realidades locais são distintas e se alteram rapidamente, para melhor ou para pior. Cabem ajustes finos às linhas gerais estabelecidas pelo saber para o combate à covid-19.
Só o fato de o presidente ter limitadas suas possibilidades de atrapalhar o combate à doença já é uma notícia alvissareira para os brasileiros
Desta forma, são as autoridades regionais que, com responsabilidade, surgem como as mais capacitadas para tomar as medidas apropriadas, caso a caso. Ou seja, em tese poderiam avançar ou recuar em ações relacionadas a isolamento social, quarentena, atividades comerciais e circulação de pessoas, dependendo da análise da evolução da pandemia. Óbvio que isso só será válido se forem observadas as orientações sanitárias baseadas no conhecimento científico, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde, que, por sua vez, tentam repetir as melhores práticas internacionais.
O segundo motivo do acerto de Moraes está no que disse e fez o presidente Jair Bolsonaro até agora. A liminar tem o efeito de uma vacina contra ingerências do Planalto. Tolhendo possíveis arroubos, como a ameaça de assinar decreto liberando atividades econômicas sem critérios claros, o STF age no sentido de evitar medidas inconsequentes que diminuam o distanciamento social, gerem aglomerações, um aumento descontrolado de casos e, por consequência, mais mortes. O número oficial de vítimas fatais, aliás, chegou na sexta-feira a mais de mil no Brasil.
Só o fato de o presidente ter limitadas suas possibilidades de atrapalhar o combate à doença já é uma notícia alvissareira para os brasileiros. Com o poder de sua caneta esvaziado, Bolsonaro segue apenas como uma espécie de agitador-geral da República. Na sua nova aparição em cadeia de rádio e TV, na quarta-feira, o presidente exibiu um tom um pouco mas moderado, mas, mesmo assim, de forma lamentável mostrou que continua abdicando do dever de apoiar governadores e prefeitos em decisões difíceis. Ficam inclusive mais à mercê de pressões para flexibilizar medidas, sem amparo no conhecimento. A busca pela união de esforços na luta contra o coronavírus permanece distante quando a principal figura pública anda na contramão do consenso.
Governadores e prefeitos têm agora as suas responsabilidades elevadas com a decisão de Moraes ao analisar uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Precisarão medir as ações que poderão gerar impactos positivos ou negativos em suas comunidades. Em pouco tempo responderão à sociedade sobre os reflexos de seus atos. É preciso lembrar que os efeitos são retardados. Sempre que uma autoridade decidir alterar uma posição, os resultados aparecerão nas semanas seguintes. Há inclusive o risco de uma decisão açodada levar à necessidade de retornar à estaca zero, com custos muito maiores.