Por Tarso Genro, ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul (PT)
O juiz Átila Roesler (28ª Vara, TRT 4) reconheceu uma relação de emprego de prestador da Uber, retomando na sentença o princípio do “contrato realidade”. Este princípio, inspirado na doutrina laboral moderna, define que o empregador não pode transferir os riscos do negócio ao seu subordinado e que o contrato de trabalho deve ser reconhecido na sua “execução”, pois é nela que o empresário impõe um ritmo, define preços e orienta – direta ou indiretamente – os que lhe são objetivamente “dependentes”. Aqui estamos falando no Uber da prestação de serviços contínua e regulada, não daquela eventual.
As transformações tecnológicas ainda em curso no mundo e as relações em rede exigem mudanças no sistema legal trabalhista, mas cujas “mutações” – na lei ou na interpretação da Constituição – não podem permitir simular “o que não é”. Isto é um princípio geral da teoria dos contratos, que tem especial relevância no Direito do Trabalho. O que significa “simular”? Significa aparentar “o que não é”, “esconder” – por exemplo – que é o tomador dos serviços, através de uma plataforma, quem “define unilateralmente as condições no exercício ‘do trabalho’”, exclusivamente a serviço do lucro empresarial, relegando os seus prestadores ao “estado de natureza”, para que lutem entre si para sobreviver: simular é aparentar que ambos os contratantes são “empreendedores”, num regime de colaboração horizontal onde não existiria dependência nem subordinação.
A corte francesa fulminou a possibilidade de o sistema Uber considerar como “empreendedores autônomos” os que aderem a sua plataforma
Decisões das cortes da Inglaterra se inclinam para garantir pelo menos o salário mínimo da profissão para os motoristas “uberizados”, e na Alemanha foi bloqueada a implantação irrestrita do Uber, já que em Berlim (e em outras poucas cidades) foram concedidas poucas permissões para esse tipo de arranjo. Várias decisões judiciais (ou acordos com força normativa) – nos EUA – deferiram indenizações milionárias aos trabalhadores prejudicados pelo sistema, que fazia “tábula rasa” de qualquer proteção legal destinada aos profissionais da mesma categoria.
A corte francesa fulminou – confirmando o Tribunal de Apelação de Paris – a possibilidade de o sistema Uber considerar como “empreendedores autônomos” os que aderem a sua plataforma e cumprem as suas regras de adesão. O motorista do Uber, “que usa o aplicativo (...) não constitui sua própria clientela – disse a Corte – nem define livremente seus preços ou determina as condições” para execução do trabalho.
A informalidade e o rebaixamento da remuneração do trabalho – segundo as 200 maiores corporações americanas (Business Roundtable) – estão pondo em risco o próprio capitalismo, através do desastre que se chama “concentração de renda”. Esta asfixia o mercado e já envelhece o ciclo das reformas ultraliberais: o mercado também pune o lado de lá.