Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Um mês atrás, escrevi um texto no qual chamei atenção para o fato de a Uber e outras plataformas digitais serem concorrentes do transporte público nas cidades brasileiras. Considerei natural nossos governantes endurecerem a relação com essas empresas por meio da tributação de seus serviços e de subsídios ao transporte coletivo.
Uma das reações mais fortes que recebi de leitores foi de que a Uber, alegadamente um ator de mercado, estaria sendo prejudicada pela suposta
interferência estatal no setor de mobilidade urbana. Acontece que as duas premissas são falsas: a Uber não é um legítimo ator de mercado e o que existe é interferência privada em um bem público (as vias que compõem o sistema de mobilidade).
No momento da sua abertura de capital, os principais acionistas da Uber eram beneficiários (diretos ou indiretos) dos subsídios americanos às indústrias de tecnologia e capital de risco, além do governo saudita (e seus herdeiros) e da japonesa SoftBank, que acumulou seu capital em um setor altamente regulado. Ou seja, atores com fortes laços com Estados nacionais, governos e suas políticas industriais.
O subsídio a essas indústrias teve várias formas nas últimas décadas, entre elas investimento público em P&D e a participação estatal em fundos de investimento. O Brasil não jogou bem o jogo da política de inovação e agora paga o preço na forma de invasão de suas cidades por serviços digitais estrangeiros que detêm mais inteligência sobre mobilidade urbana do que o governo e a sociedade civil locais.
O que faz esses governos estrangeiros bancarem o setor digital dessa forma? Quais os benefícios que esperam em troca? Além de um ganho de imagem, querem gerar empregos qualificados em seus territórios (principalmente para desenvolvedores de software) e aumentar o poder de vigilância sobre os usuários desses produtos no mundo todo. Eventualmente podem gerar um diferencial tecnológico para suas nações.
No caso da Uber, também esperam extrair um pouco do valor investido por governos de países como o Brasil em seus sistemas de mobilidade. Gastamos bilhões em vias públicas que agora são utilizadas gratuitamente pela Uber, que agora contrata poderosos lobistas para manter esse status quo junto aos nossos governos locais.
É por esses e outros fatores, como os juros baixíssimos no mundo todo, que os investidores da Uber não necessariamente esperam que a empresa seja lucrativa. O que eles almejam é poder. A capacidade de controlar nossas vidas na sociedade da informação. Utilizam empresas apenas como máquinas políticas para chegar lá.