Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Em abril de 2017, alertei aqui na coluna que os lucros da digitalização da mobilidade urbana escapariam do Brasil, por conta da má regulação e da incapacidade de competirmos globalmente com software criado aqui. Hoje, além desse problema, temos outros: dependemos fortemente da demanda de trabalho desqualificado gerada por essas plataformas. Estamos trocando empregos industriais e serviços de alto valor por motoristas. Nossas cidades tornaram-se Gotham Cities, distopias nas quais você só se desloca bem se estiver em um carro preto. Se bobear, o vilão pega.
Nossos governantes locais, regionais e nacionais precisam agir. É nesse contexto que o prefeito de Porto Alegre tentou um movimento politicamente precipitado, porém corajoso na essência. Ele entendeu uma coisa que muitos ainda resistem em admitir: Uber compete com transporte público. Se a população quer manter o sistema público, o governo precisa endurecer com as plataformas e subsidiar o ônibus. Se há disputa entre municípios por emplacamento, precisa entrar nesse jogo. São estratégias que envolvem riscos, porém têm lógica na situação atual.
A tendência é de que o processo político desfigure essas propostas, e que continuemos com uma política de mobilidade incoerente e decadente. Aliás, isso vai acontecer em muitas cidades brasileiras. Vamos precisar de uma estratégia nacional para lidar com o setor digital globalizado. Alguém que sente com a Uber e diga que a empresa só continua a operar no Brasil se gerar empregos qualificados e aderir a um modelo de tributação que canalize parte de suas remessas de lucros para mobilidade urbana sustentável. Alguém que libere nacionalmente as permissões de táxi, acabando com o mercado ilegal, para que taxistas possam voltar a competir.
No momento não temos essa liderança nacional. Vivemos um esvaziamento do poder federal, gerado justamente pelo uso de plataformas digitais estrangeiras para disseminar notícias falsas e possibilitar o uso de dinheiro privado no último processo eleitoral. Se bem que parte desse dinheiro era público, veio de empresários de setores de baixo valor agregado, grandes devedores do BNDES que não queriam pagar a conta. Enfim, essa já é uma história para uma próxima coluna. Neste mundo conectado, tudo está mesmo muito ligado.