Por Tarso Genro, ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul (PT)
Na contingência de ter sido um governador que reduziu R$ 22 bilhões no passivo da nossa dívida com a União, venho, respeitosamente, emitir uma opinião sobre o impasse que hoje vivemos no RS e, ao final deste artigo, dar-lhe uma sugestão. Apoiado por todas as forças políticas do Estado – apoiado num documento político firmado por vários governadores que me antecederam –, coordenamos um ajuste do passivo da dívida com o governo federal, cujo desdobramento foi interrompido pela mudança política ocorrida no país. Esta crise levou os governos que sucederam à minha gestão a interromperem o pagamento da dívida pública. A interrupção nos afundou completamente e foi conseguida, junto ao STF, face à justa alegação da priorização do pagamento dos salários. A dívida cresceu brutalmente e, apoiados nisso, a sagacidade dos "especialistas" vem desenvolvendo no senso comum a ideia de que só as "reformas contra os privilégios" vão nos redimir. Ao contrário do que pregam, todavia, estas reformas jamais são feitas contra privilégios, mas contra os direitos dos "de baixo".
Nossa estratégia sempre foi diferente e clara: não queimar os "ativos" do Estado, ficar firmes na posição de que só crescimento da economia – no país e no Estado – poderia nos tirar da crise e promover uma "política econômica" contracíclica regional: "Plano Safra" gaúcho, microcrédito expandido, cooperativas promovidas ao primeiro plano da economia gaúcha, contratação de financiamentos internacionais de longo prazo para obras de infraestrutura, potencialização do agro com "mais água, mais renda", política internacional de atração de investimentos do Exterior (ampliando relações com o gigante chinês), proteção social expandida através do "RS mais igual", justiça salarial para os professores, policiais e brigadianos; mais recursos para a saúde e reestruturação dos órgãos fiscalizadores e técnico-científicos do Estado.
O que está ocorrendo agora, contra o seu governo, é uma armadilha conhecida, já experimentada no Chile, na Grécia, na Argentina e em vários países e regiões da América e da Europa: uma forte pressão do empresariado – parte dele devedores de impostos e outros tantos beneficiários de incentivos fiscais originários da guerra fiscal que demole o Estado brasileiro – sugerindo que, para normalizar o funcionamento do governo, devem ser atacados, como sempre, os "de baixo". Todos sabemos onde começou e como se agravou esta crise estrutural do Estado, através do acordo "Malan-Brito". Sua herança demolidora foram os bilhões em precatórios impagáveis – legados para os sucessivos governadores – a partir dos termos que o governo FHC impôs às unidades da federação, para respirarem na crise que já nos assolava.
Prezado governador: se o senhor aprovar as "reformas", o Estado vai se enfraquecer ainda mais nas suas funções públicas, a dívida pública não será reestruturada – senão com vantagens para os seus credores – e a dívida social vai explodir. A sugestão que lhe dou não é uma sugestão de "esquerda" – porque sei e entendo que este não é o seu lugar na política –, mas ela se funda nos critérios políticos "liberais" que o senhor diz representar. Minha sugestão se opõe, todavia, ao "ultraliberalismo" que o assedia desde Brasília, mistura bastarda de sociopatia política com fascismo miliciano. Faço-lhe esta sugestão porque o senhor se coloca como líder diferenciado, politicamente, da nossa direita local: retire o pacote, chame os partidos e a sociedade civil sem restrições ideológicas, para o debate de uma grande "concertação" política no Estado, para acordar uma agenda possível de reformas, que o reforce nas negociações com a União, num novo patamar de respeito federativo. Se o pacote não for retirado, mas rejeitado, suas dificuldades e as dificuldades do Estado vão se agravar. E isso é ruim para todos, de todas as gerações. Não aposte na terra arrasada. Não aposte num "momento final"! Ele não existe no mundo de hoje.