Desde que o presidente Jair Bolsonaro desviou-se das recomendações das autoridades sanitárias mundiais e passou a ser o único chefe de Estado do G20 a desprezar publicamente os riscos e consequências humanas da pandemia, entranhou-se no Brasil um raciocínio raso e binário: a escolha, sem meios-tons, entre preservar a vida de milhares de brasileiros ou a economia. Na realidade, a dicotomia de que saúde física prescinde da saúde econômica e vice-versa tornou-se uma nuvem de fumaça a turvar a busca e a implementação de soluções rápidas, firmes e eficazes para se enfrentar, simultaneamente, a emergência sanitária e a paralisação dos negócios no Brasil.
Medidas só surtirão o efeito necessário se a burocracia não travar a chegada do dinheiro às mãos de empresas e autônomos
O confronto às portas da irracionalidade que primeiro se estabeleceu nas redes sociais e depois migrou para as ruas corrói a unidade necessária para o combate ao vírus e ofusca o urgente debate sobre a efetividade das medidas governamentais para manter ligado o fluxo de oxigênio da renda para trabalhadores avulsos e empresas de todos os portes. É uma tarefa de todos os níveis do Executivo, mas que deveria partir de uma coordenação da União, com orientações claras, alinhadas e sem ruídos para primeiro zelar pela saúde da população, mas também pela preservação da atividade econômica em um momento de calamidade pública que não se sabe por quanto tempo irá perdurar.
Um sinal esperançoso veio do conjunto de medidas anunciado na sexta-feira por parte da equipe econômica do governo federal. São iniciativas que visam, na direção correta, desafogar as tensões iniciais, mas que só surtirão o efeito necessário se a burocracia não travar o que realmente importa: que o dinheiro chegue às mãos de empresas e autônomos que de uma hora para outra se viram sem renda e com uma queda brutal de receita, sem poderem sair para trabalhar e buscar o sustento ou viram suas atividades cessarem de forma parcial ou total, com uma queda brutal de receita. Caso contrário, a inquietação social tende só a crescer.
Os R$ 40 bilhões para financiar por dois meses a folha de pagamento de pequenas e médias empresas, destinados a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, são uma medida positiva e o sinal de um despertar para o tamanho do problema, ainda que tardio. A situação é de emergência e, por isso, se justifica que, neste momento, o Tesouro e o Banco Central abram o cofre e surjam como os agentes que vão garantir o crédito que precisa chegar à ponta para evitar a demissão de um grande contingente de brasileiros. Será ainda um alívio para os tomadores que o juro da operação seja de apenas 3,75% ao ano.
Mas o governo ainda precisa fazer mais para demonstrar que está tomando as rédeas da situação. Uma prova da hesitação foi o atropelo que sofreu no meio da semana passada com a aprovação capitaneada pelo Congresso de uma ajuda de R$ 600 mensais para os trabalhadores informais, por um período de três meses. É preciso lembrar que o Planalto queria conceder R$ 200, os congressistas caminhavam para elevar para R$ 500 e, numa tentativa desesperada de buscar mostrar um protagonismo inexistente, o Executivo aumentou o valor para R$ 600. Da mesma forma, urge que o ministro da Economia, Paulo Guedes, volte a ser a personificação do esforço do governo para evitar um desastre maior para as empresas de todos os portes e, por consequência, seus trabalhadores. Sumido, ressurgiu durante o fim de semana. Deveria fazer aparições diárias, mesmo que virtuais, para ser a voz que passa segurança aos agentes da economia. Como faz o colega da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Tem de ser o farol de sua área nesta hora sombria e providenciar medidas adicionais, dando o exemplo. Um próximo e bem-vindo passo poderia ser um corte temporário de parte dos salários dos servidores de mais altos vencimentos, incluindo os políticos.