Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Como escrever algo que não seja sobre o coronavírus? No momento em que você este texto há milhares de crianças sem aula, centenas de empresas trabalhando em regime de home office e milhões de pessoas olhando para o lado procurando alguém que lhes diga um singelo "vai passar".
Sim, isto também vai passar. Até uma pandemia passa. Mas quem seremos depois disso tudo? Seremos pessoas melhores porque aprendemos a nos importar mais com os outros, ou deixaremos em nós a lembrança das hordas nos supermercados estocando muito pra si e deixando quase nada para os outros? A solidariedade, muitas vezes, é vizinha do egoísmo.
E você já reparou que vamos viver em um paradoxo nos próximos dias ou meses? Vamos nos segregar em nossas casas justamente porque estamos pensando coletivamente. Vamos estar mais separados porque acabamos nos dando conta de que estamos juntos como nunca. Vamos nos isolar porque pensamos no outro. Mas que lição sobrará desse momento histórico? Se formos eficientes e eficazes no cancelamento das aulas, na restrição de eventos, no isolamento de casos confirmados e nas inúmeras ações de contingenciamento, o efeito será uma redução expressiva no número de infectados. E aí aparecerão os engenheiros de obra pronta a dizer "viu, foi um exagero, não aconteceu nada parecido com a Europa". Terá sido um acerto que parecerá um erro aos olhos dos míopes. Será que ao final vamos lembrar e valorizar os líderes públicos e empresariais que souberam agir do jeito e no tempo certos? Porque, convenhamos, não é fácil tomar decisões que nos deixam entre a cruz e a espada. Qual é o tempo certo de parar tudo? Qual a diferença entre precaução e afoiteza? Qual o momento exato de restringir aulas e trabalho, já que não podemos garantir a duração desta restrição? E como ficam os impactos na economia, nos empregos, no crescimento do país, no calendário estudantil, nas grades de férias dos profissionais da saúde, nos autônomos, nos pais que não têm onde deixar seus filhos, só pra falar de algumas entre milhares de perguntas simples com respostas complexas.
De tudo isso, fica a lição simples e óbvia: somos todos uma mesma comunidade e não é apenas no mundo digital que estamos em rede e ao alcance de um vírus. Que saibamos manter nossos corações conectados depois que isso passar.