A controvérsia que levou o presidente Jair Bolsonaro a endossar a movimentação para a realização de protestos contra o Congresso turva um debate que deveria ser travado com maior sensatez e despido de disputas políticas. Muito acima do desentendimento entre a Câmara e o Planalto pelas chamadas emendas impositivas está a discussão do papel do parlamento na alocação de recursos do Orçamento. A grande disfunção está no fato de que, no Brasil, parlamentares distribuem dinheiro público, muitas vezes a seu bel-prazer, atendendo a interesses específicos. Não raro são recursos que seriam melhor aplicados se fossem observados critérios mais objetivos, e não uma conveniência eleitoreira.
O parlamento deveria ser a arena dos grandes debates, da maturação de importantes projetos e da construção de legislações que ajudem a mudar o país para melhor
O parlamento deveria ser a arena dos grandes debates, da maturação de importantes projetos e da construção de legislações que ajudassem a mudar o país para melhor. É preciso reconhecer que, nos últimos anos, o Congresso tem méritos na condução e aprovação de uma série de reformas, como a trabalhista, a da Previdência, e a Lei da Liberdade Econômica. Mas utilizar o dinheiro do contribuinte para proselitismo, mesmo quando direcionado para causas válidas, é uma distorção da atividade e um apequenamento da função para a qual os parlamentares são eleitos.
Não há dúvida de que a fragilidade dos últimos três presidentes da República abriu uma brecha para que o Congresso aumentasse seu poder, inclusive sobre os recursos da União. O recente episódio, uma disputa em torno de R$ 30 bilhões, surge da proposta aprovada do Orçamento 2020, em que foi incluída como obrigatória a execução também de emendas definidas pelo relator e pelas comissões do Congresso – que assim ficaria com cerca de 30% dos R$ 137 bilhões livres para aplicação. Como Bolsonaro vetou trecho da LDO que ampliava o controle dos congressistas sobre as verbas, os deputados, principalmente, ameaçaram derrubar a decisão do presidente, o que deu origem à refrega. O problema se agrava devido ao grande engessamento dos gastos públicos, fazendo com que o governo fique diminuído em sua tarefa precípua de executar o orçamento. Apesar do tensionamento, os parlamentares agiram com bom senso e mantiveram os vetos de Bolsonaro, após costura de acordo. O próximo passo, agora, é analisar e votar os projetos que tentam deixar mais cristalinas as regras sobre a execução de emendas parlamentares.
O festival de emendas também deturpa o processo eleitoral. É nítido que um detentor de mandato, ao fazer cortesia com o chapéu alheio, larga em vantagem na disputa com candidatos que não dispõem dessa arma à mão, usando recursos públicos para reforçar laços e compromissos com prefeituras e lideranças de comunidades beneficiadas pelo instrumento. Está na hora de acabar com essa disfunção, em nome da valorização da verdadeira atividade do Legislativo, e para que se evite que o equilíbrio entre os poderes comece a ser comprometido, pendendo demais para um lado.