A dramática radiografia das contas de 2019 do Rio Grande do Sul, revelada na terça-feira pela Secretaria Estadual da Fazenda, é um reforço na evidência de que o pacote de medidas de ajustes aprovado pela Assembleia Legislativa em janeiro é mais do que justificado. Os números incontestáveis deixam claro que, depois do pacote, é preciso aprofundar reformas e encaminhar novas propostas para corrigir um quadro sombrio. É o caso dos recursos para investimentos, que caíram a R$ 928 milhões, meros 2,3% da receita corrente líquida e o equivalente à metade do que fora aplicado na mesma finalidade em 2018.
É crucial que a sociedade do Rio Grande do Sul, em um amplo esforço de reversão da estagnação do Estado, compreenda a dimensão da crise
Investimento é o que o governo deve usar, por exemplo, na reposição de material de segurança e na construção de estradas e postos de saúde, ou seja, a função primeira do poder público. Como se vê, o Estado se reduziu a um grande administrador de crise fiscal, um coletor de impostos e repassador de salários e pensões, e ainda assim com atrasos sistemáticos. Outro número explica esse quadro: o déficit da previdência, ou seja, aquilo que o governo precisa retirar dos investimentos e de custeios apenas para suplementar as aposentadorias e pensões públicas, chegou a R$ 12,5 bilhões no ano passado. Em um mês, o déficit nessa rubrica consome mais do que todo o investimento anual, e com um agravante: apesar de todas as medidas de contenção, o custo da previdência pública cresceu mais R$ 821 milhões em 2019.
Agora, a Assembleia Legislativa precisa estender o realismo fiscal ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), seu órgão auxiliar. Pelos critérios da União, o Rio Grande do Sul comprometeria com pessoal 57,89% da receita líquida, bem mais do que os 49% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Aqui, porém, despesas como pensões e auxílios são desconsideradas graças a uma elástica e benevolente interpretação do TCE, no qual se paga a maior média salarial do Estado (R$ 27.127), em uma contabilidade que limita a rubrica de pessoal a 45,6%.
Ao demonstrar a sensatez dos projetos de reforma dos governos Sartori e Leite e o senso de responsabilidade dos deputados que os aprovaram, o rombo nos cofres gaúchos exige novas e mais profundas medidas que revertam esse quadro. A necessária e urgente adesão do Rio Grande do Sul ao Regime de Recuperação Fiscal vai demandar, por exemplo, uma revisão nos incentivos fiscais que nem sempre foram transparentes e nem geraram os empregos esperados. A revisão deve ser feita com esmero, uma vez que afugentar empresas do Rio Grande do Sul, como aconteceu com parte da indústria calçadista, ampliará a perda de impostos e de vagas de trabalho.
Além disso, o governo deve manter o curso firme das privatizações, incluindo outras empresas, se for o caso, e adotar uma posição ousada na extinção de organismos públicos que não justificam sua existência em um cenário de agrura generalizada. Como alternativa para a incapacidade de investimento pelo governo, as parcerias público-privadas (PPPs), como a que permitirá um salto nos investimentos da Corsan na Região Metropolitana, devem ser ainda mais ágeis e abrangentes. Antes de tudo, é crucial que a sociedade do Rio Grande do Sul, em um amplo esforço de reversão da estagnação do Estado, compreenda a dimensão da crise e siga apoiando as reformas e transformações obrigatórias para recolocar o Estado na trilha do equilíbrio fiscal e do desenvolvimento.