Mesmo que fossem excluídos os efeitos pontuais dos ruídos causados pela já usual forma desastrada do ministro da Economia Paulo Guedes de manifestar ideias que no cerne merecem atenção, a nova disparada do dólar nas primeiras semanas de 2020 carrega motivos de sobra para preocupação.
Cabe a Guedes ao menos não dar mais trabalho para quem tem a incumbência de apagar focos de incêndio cambiais
É verdade que o Brasil, nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, teve seus momentos de populismo cambial. Houve períodos em que era mais em conta, para os brasileiros, passar férias na Flórida do que no Nordeste. Vivia-se naqueles anos a chamada Bolsa Miami, que mantinha o dólar artificialmente baixo e subsidiava viagens ao Exterior, a ponto de casais optarem por tomar o avião e comprar enxovais nos EUA.
O dólar, nos últimos anos, subiu para um patamar mais realista, o que ajuda as exportações da combalida e pouco competitiva indústria brasileira e, com isso, a balança comercial. Em um país que precisa desesperadamente gerar empregos, as vendas para o mercado externo são uma válvula de escape com benefícios disseminados. O fato de a moeda americana em patamares acima de R$ 4 não ser, até agora, motivo de grande preocupação inflacionária, é outro aspecto, por enquanto, tranquilizador.
O problema central do câmbio tem sido a volatilidade. O real foi a moeda que mais se desvalorizou em 2020 – 8,5% até quarta-feira, afetando a todos, como viajantes e importadores. Se é certo que um dólar mais forte é bom para quem exporta, não é possível esquecer que as grandes oscilações, por outro lado, também trazem incertezas para o comércio exterior. Tanto pela imprevisibilidade da conversão em reais na hora do pagamento, o que afeta o planejamento, quanto pelo risco de um movimento contrário da moeda corroer os ganhos do negócio.
O câmbio no Brasil é flutuante, o que aliás é uma das bases do tripé macroeconômico – junto com as metas fiscal e de inflação. Mas cabe ao Banco Central, como ontem, atuar quando necessário para que a taxa de câmbio não se descole demais da realidade dos fundamentos da economia. Se disparadas esporádicas fossem um indicador seguro de algo saindo do controle, aí, sim, haveria motivos de sobra para preocupações internas ou externas. É bom lembrar que, em primeiro lugar, a moeda é americana. Boa parte de seu movimento, portanto, se deve a questões relacionadas à política monetária e à economia dos EUA. Mesmo assim, a maior ou menor fragilidade brasileira não pode ser desprezada. A consistente e positiva queda da Selic, por exemplo, fez capital estrangeiro que buscava ganhos fáceis na renda fixa bater asas, ajudando a desvalorizar o real.
Cabe ao ministro Guedes, elogiado na condução da macroeconomia brasileira, ao menos não dar mais trabalho para quem tem a incumbência de apagar focos de incêndio cambiais. Quando Guedes diz que dólar alto é bom para todo mundo, o recado entendido pelo mercado é de que há espaço para uma valorização ainda maior. E foi o que obrigou o BC a entrar ontem em cena para baixar as chamas.