É nociva para o país e desconcertante a possível desistência do governo federal de enviar a proposta de reforma administrativa para o Congresso. Os sinais dúbios começaram ainda no final do ano passado, quando o próprio Ministério da Economia começou a expor os números que mostram o tamanho das distorções existentes nos salários e nas carreiras do funcionalismo, mas em seguida recuou da ideia de mandar o texto ainda em 2019, temendo possíveis repercussões que desembocassem em protestos de rua, na onda de manifestações que irromperam em vários países vizinhos, principalmente no Chile.
Só é possível, portanto, lamentar a falta de empenho do governo em um projeto que, há poucas semanas, era considerado prioritário pelo Executivo
A justificativa usada nos bastidores de que o clima político azedou de vez após Paulo Guedes ter comparado servidores públicos a parasitas pode ser útil para o Planalto neste momento, como uma oportuna desculpa, mas não deve ser levada tanto a sério, uma vez que as alterações valeriam apenas para os futuros servidores, não para os atuais. E o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, voltou ontem a pedir que o governo não desista da ideia, mostrando disposição para a discuti-la e aprová-la antes da paralisação do parlamento no segundo semestre, devido às eleições municipais.
Só é possível, portanto, lamentar a falta de empenho do governo em uma reforma que, há poucas semanas, era considerada prioritária pelo Executivo e que o Congresso mostrava disposição de enfrentar, apesar do desgaste natural de alterar regras para um dos setores mais influentes no jogo do poder. O recuo em tocá-la só indica que o ponteiro do presidente Jair Bolsonaro se move cada vez mais por motivações eleitoreiras, e não pela essencial busca por uma racionalização dos gastos com pessoal e pelo aumento da produtividade do funcionalismo. Por estas e por outras, começam a emergir cada vez mais certezas de que não eram reais as propaladas intenções de Bolsonaro de deixar um pouco de lado o seu histórico figurino populista e corporativista, abraçando a bandeira do liberalismo. Em um momento em que o nível de recuperação da atividade interna ainda é débil e o coronavírus aumenta as dúvidas sobre o ritmo global em 2020, a falta de convicção do governo tem o potencial de contaminar de forma negativa as expectativas dos agentes da economia, atrasando outra vez a sempre esperada hora de o Brasil se despedir definitivamente da crise.
Pessoal é a segunda maior despesa federal, atrás apenas do INSS. Com uma robusta reforma administrativa, aproximando os vencimentos aos da iniciativa privada, revisando e tornando mais justos os critérios para progressão de carreira e criando formas de remunerar por resultado, seria possível liberar recursos que poderiam ser destinados a investimentos ou a melhores serviços à população.
Sem articulação política no Congresso, o governo já contou com a inclinação reformista de deputados e senadores para levar adiante o projeto da Previdência. Desta vez, porém, existem sérias dúvidas sobre a disposição que o parlamento teria para encarar praticamente sozinho o ônus do desgaste. Mas ainda há tempo de o presidente Jair Bolsonaro não fraquejar e demonstrar sensatez.